A neve acumulada sobre as ruínas da abadia fala do esfriamento na fé e do esquecimento de Deus |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Enriquecido às portas de Paris pelas verdes águas de seu principal afluente oriundo do Leste, o rio Marne, o Sena serpenteia preguiçosamente a partir da capital francesa rumo ao mar, passando pela bela e vetusta capital da Normandia: Rouen, fundada no século II.
Nesse trecho final, suas imponentes falésias de calcário branco formam um verdadeiro paredão junto a sua margem direita, dando abrigo a inúmeras habitações ditas “trogloditas”, como as denominam os franceses modernos. Muitos ali fazem suas caves, depósitos, moradias, e até igrejas.
Normandia! Uma das mais belas e típicas regiões da França, com suas lindas choupanas de traves aparentes, cobertas de colmo (palha de trigo ou centeio).
Sua população risonha e amável, como era a normanda Santa Teresinha do Menino Jesus, nem parece reportar sua origem aos terríveis vikings vindos do Norte, especialmente da Noruega e da Dinamarca.
Entretanto, assim foi.
A França, como se sabe, provém da antiga Gália, dominada pelos romanos 50 anos antes de Cristo.
Mais tarde, os francos, oriundos da Germânia, estabeleceram-se ao norte da Lutécia romana para conquistar o coração do que seria mais tarde o seu reino.
A conversão de Clóvis, em 496, foi de algum modo para os francos o que a conversão de Constantino representara para o Império Romano, em 313.
Cristianizada a partir do século II, Rouen e sua região foram ocupadas por Clóvis em 497. Os primeiros mosteiros aí fundados datam do século VI.
Na metade do século VII, durante a época merovíngia, o rei Dagoberto teve como chanceler Ouen, ligado por estreita amizade a Filisberto e Wandrille.
A vida dos monges girava em torno da oração para Deus se manifestar propício aos homens |
Santo Ouen (pronuncia-se “uã”) tornou-se bispo de Rouen e fundou nessa cidade a célebre abadia que ainda hoje tem seu nome.
Wandrille fundou a abadia de Fontenelle em 649, hoje chamada de São Wadrille, também junto ao Sena.
Pouco depois, em 654, São Filisberto erigiu a abadia de Jumièges, situada entre as duas anteriores, à margem direita do terceiro meandro do Sena depois de Rouen, a pouco mais de 20 quilómetros dessa capital.
Após a morte do fundador, em 685, a abadia foi dizimada por uma epidemia que teria tirado a vida de mais de 400 monges.
Não obstante, como Fontenelle, Jumièges teve um rápido desenvolvimento. Um documento registra 114 monges em 826: é o Livre de confraternité, da abadia de Reichenau, à qual a abadia de Jumièges estava vinculada por uma comunidade de orações.
Outras fontes, menos confiáveis, falam em 900 monges no século anterior.
Favorecida por doações de reis e grandes senhores, a abadia de Jumièges tornou-se conhecida pela sua generosidade em relação aos necessitados e aos peregrinos.
Mas sua história ainda estava apenas no começo. Com efeito, desde o século II as costas do Canal da Mancha vinham sendo regularmente invadidas pelos audazes guerreiros vikings, oriundos da Escandinávia.
Em princípios do século IX, os homens vindos do Norte — daí o nome de normandos — voltaram para ficar. Em 841, penetrando pelo vale do Sena, incendiaram Rouen e Jumièges, e chegaram a sitiar Paris (885).
A paz foi obtida com um tratado através do qual o rei dos francos conferia ao chefe viking Rollon o título de duque da Normandia.
Foto aérea das ruínas da grande abadia |
Quando o segundo duque da Normandia, Guilherme Espada Longa, em uma saída de caça deparou com as ruínas de Jumièges, decidiu mandar reconstruir a abadia.
E pediu a sua irmã, casada com o conde de Poitiers, que obtivesse monges para habitá-la. Com o apoio do duque, os monges puderam assim reconstituir Jumièges. Isto ocorreu em 940, ou pouco antes.
Com o assassinato do duque Guilherme em 942, a Normandia sofreu novas convulsões.
O governador de Rouen, Raul Torta, mandou então destruir a abadia para utilizar suas pedras no reparo de uma fortaleza.
Um novo alento veio, entretanto, por volta do ano mil, quando o duque Ricardo II mandou vir da abadia de Cluny o monge Guilherme de Volpiano, cujo discípulo, Thierry, tornou-se abade de Jumièges, com autoridade também sobre as abadias de Bernay e do Monte St-Michel.
Ele decidiu mandar reconstruir e restaurar a igreja abacial de Nossa Senhora. Mas a obra só foi concluída por seu sucessor, Roberto Champart, em 1040.
Continua no próximo post: Abadia de Jumièges: onde a oração dos monges atraia as bênção de Deus para perdoar a humanidade pecadora
(Autor: Gabriel J. Wilson, in “Catolicismo”, junho de 2016).
Abadia de Jumièges: as mais belas ruínas da França (Victor Hugo)
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