quarta-feira, 10 de maio de 2017

Um primeiro vislumbre da arte gótica medieval,
no Santo Sepulcro!

Ressurreição, composição artística.
Ressurreição, composição artística.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs





Quem visse o Santo Sepulcro, escavado na rocha, sabendo que Nosso Senhor Jesus Cristo na sua humanidade ali esteve sepultado, teria certa impressão.

Em nossos dias, estando o sagrado lugar encimado por uma igreja (a Basílica do Santo Sepulcro) — portanto, em que todo o ambiente encontra-se mudado —, gostaríamos de saber que impressão causaria, antes da Basílica, aquele abençoado lugar.

Para isso, é legítimo fazer o que Santo Inácio de Loyola recomenda nos “Exercícios Espirituais”: a “composição de lugar”.

Reconstituir o local — o Sepulcro — e a cena da Ressurreição. Assim, vou imaginar que impressão eu teria se lá estivesse.


Foi pensando nisso que encontrei explicação para os portais de pedra das catedrais góticas: uma enorme pedra na qual em oblíquo se tivesse talhado os contornos de um arco gótico.

Também talhadas na pedra as coluninhas, encimadas por pequenas imagens de santos com seus respectivos dosséis.

Quem vê os portais góticos, fica com uma ideia mítica da pedra sagrada que envolve o altar e o tabernáculo que guarda o Santíssimo Sacramento, o Homem-Deus.

Aquele conjunto forma um arco gótico lindo que atravessa várias espessuras da pedra.

Transpondo o arco gótico, fica-se com a impressão de que se atravessam vários séculos de História; várias fases do pensar e do sentir da Igreja; atravessam-se mil acontecimentos.

Mas que a pessoa não se dá bem conta de quais acontecimentos — e nisso está o mais interessante.

O Santo Sepulcro — a primeira ogiva gótica da História

Entrando no Sepulcro.
Composição com base em gravura de Gustave Doré (1832 - 1883)
Nesse sentido, eu imaginaria o Santo Sepulcro aberto na pedra, por ordem de José de Arimatéia, mas de um modo tosco.

Alguém que já conhecesse o gótico, olhando para a abertura na pedra, perceberia um arco prodigioso.

Quem não conhecesse o gótico — por exemplo, um homem do tempo de Nosso Senhor — não perceberia.

Mas um homem do período medieval perceberia, e vendo a abertura do Sepulcro exclamaria:

“É o gótico! É a primeira ogiva da História!”.

E isto apesar de aquela pedra bruta, na qual fora cavado o Santo Sepulcro, não ter a beleza, o aspecto leve e nem charme de um portal gótico.

De um lado, no gótico pode-se perceber a ogiva louvando o Filho de Deus, mas de outro lado, na lápide do Sepulcro, percebe-se a morte, a tragédia do deicídio.

É um contraste que alguém poderia dizer que é feio.

Mas é a justaposição da beleza e da morte, da virtude e do pecado.

Um cortejo para o sepultamento do Divino Redentor

Como se poderia imaginar a câmara funerária onde esteve sepultado Nosso Senhor?

Para exprimir isso, seria preciso imaginar uma rocha muito grande — mas não uma montanha tipo Himalaia —, ainda coberta de terra e plantas.

Entrando pela abertura cavada na rocha, haveria um corredor profundo, sem luz. Tudo inerte, dando ideia do âmago da morte.

Poder-se-ia imaginar um cortejo entrando naquele corredor levando o Sagrado Corpo de Nosso Senhor.

No cortejo, as pessoas levando archotes. A fumaça marcando o teto e as paredes daquela escavação ainda um tanto escura e tenebrosa.

No fundo, o lugar onde depositaram o Corpo Divino.

Composição com a suposta aparência do Corpo Santíssimo de Jesus no Sepulcro.
Fundo panteão real de Alcobaça, Portugal.
Pode-se imaginar Nossa Senhora, em cujo claustro esteve o Redentor, que O contempla morto e pensa no crime satânico que se cometeu com a Crucifixão.

Na aparência, a vitória fulgurante da impiedade, da vulgaridade, do pecado.

O Corpo de seu Filho ali está, aromatizado, mas isolado naquela escuridão.

Do Sagrado Corpo emana uma discretíssima claridade. Uma luz mantida por um anjo brilhava como um vitral de catedral gótica, mas apenas num dos cantos, deixando todo o resto na penumbra.

Com o tempo a luminosidade aumentaria, desdobrando-se em fosforescências cada vez mais bonitas, lembrando os tormentos da Paixão, mas também toda a vida do Redentor.

Primeiramente, Ele junto à Sagrada Família, depois os três anos de sua vida pública, o período de glória, os dias de perseguição, as apreensões, o Horto das Oliveiras.

Enfim, toda Vida, Paixão e Morte do Salvador desdobrando-se em luzes como numa narração. Nossa Senhora percebia tudo isso enquanto adorava o Sagrado Cadáver. Legiões de Anjos também O adoravam.

Ressurreição: Sepulcro transformado numa catedral feita de luzes

Ainda, nesta “composição de lugar”, podemos conceber, três dias após o trágico sepultamento, que algo de novo se passou dentro do Santo Sepulcro.

Em certo instante o corpo adorável daria sinais de vida. Aparece uma luminosidade extraordinária. Nosso Senhor se levanta com uma majestade indizível.

O Santo Sepulcro estaria transformado numa catedral feita de luzes.

A montanha como que se racha; os anjos rolam a pedra que fechava o Sepulcro; o ambiente torna-se festivo e triunfal.

Cristo ressurrecto, basílica de Ss. Pedro e Paulo, Malta. Fundo rosácea lateral da catedral de Chartres.
Cristo ressurrecto, basílica de Ss. Pedro e Paulo, Malta.
Fundo rosácea lateral da catedral de Chartres.
É a Ressurreição!

Nosso Senhor sai do Sepulcro com o braço direito levantado e os dedos em posição de quem ensina e abençoa, com ar de desafio vitorioso!

Ele aparece para Santa Maria Madalena. Mas é lícito imaginar que antes tenha aparecido ressurrecto para sua Santíssima Mãe.

Justificativa desse método de meditação

Esta seria uma modalidade de meditação, imaginando como transcorreu a Ressurreição.

Conforme a piedade e o modo de ser de cada um, poder-se-ia imaginá-la de modos diversos.

A validade desse método imaginativo é inegável, porque como esses acontecimentos constituíram fatos perfeitos, tinham eles todas as excelências que estamos imaginando e ainda muitas outras.

Se todos os católicos da Terra até o fim do mundo meditassem sobre a Ressurreição, haveria uma prodigiosa unidade de pensamento em torno do magno acontecimento da História Universal, apesar de cada um individualmente meditar o mesmo fato central, porém imaginando as cenas de modo diferente.

Podemos assim, conservando o núcleo da realidade objetiva do sublime acontecimento, enriquecê-lo com um misto de imaginações, reflexões, deduções da fé, bem como de revelações de santos e de pessoas virtuosas.


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira, conferência durante a Semana Santa de 1981 e publicado na edição de março de 2012 de Catolicismo)




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