terça-feira, 29 de outubro de 2024

'Catedral' de Ulm, igreja mais alta do mundo

Ulm: a catedral mais alta do mundo nasceu católica
Ulm: a catedral mais alta do mundo nasceu católica
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








Na cidade alemã de Ulm, a igreja mais alta do mundo sobe vertiginosamente aos céus.

Embora não seja sede de bispado, ela é chamada de “catedral” pelas suas dimensões: a torre atinge 161,53 m de altura.

Também é chamada de "Ulmer Munster" título que lhe concedia privilegios abaciais

É um exemplo típico da arquitetura eclesiástica gótica.

Veja vídeo
Igreja mais alta do mundo:
Ulm, Alemanha
O nome catedral vem de “cátedra” ou trono do bispo, mas Ulm não tem bispo.

A história desta “catedral” foi muito perturbada.

Os cidadãos de Ulm desejavam uma igreja grandiosa, porém mais acessível, no centro da cidade, e encomendaram esta.

Sua pedra fundamental foi depositada no ano de 1377, e as obras partiram em bom ritmo.

Em 1392, Ulrich Ensingen, um dos arquitetos da catedral de Estrasburgo, foi feito chefe da confraria de construtores. A “catedral” foi consagrada em 1405.

Porém, por um senso de alteridade mal entendido, os habitantes de Ulm decidiram não completar a torre, contrariamente ao que faziam as cidades vizinhas que estavam construindo suas catedrais.

Eles desejavam que ninguém fizesse uma igreja mais alta, e então esconderam as dimensões de seu projeto.

Porém, em 1531, tendo aderido ao protestantismo, os cidadãos de Ulm paralisaram as obras.

A Revolução Protestante foi visceralmente inimiga das proezas do espírito medieval.

Ulm: pintura evoca os tempos católicos
Ela amava os “chiqueirinhos” onde pregavam Calvino, Lutero e outros heresiarcas: estábulos, garagens transformados em local de pregação, ou até mesmo igrejolas sem estilo e de má qualidade.

Seus adeptos invadiram e confiscaram a “catedral” parcialmente construída e, obviamente, durante séculos nada fizeram para completá-la.

No século XIX, o espúrio império prussiano estimulou a construção de grandes prédios para dar lustro à sua glória por demais nova, a qual, aliás, durou pouco.

Desse impulso beneficiou-se a “catedral” de Ulm.

Sua torre foi concluída 513 anos após o início das obras – mais precisamente em 1890 –, transformando-a no prédio mais alto do mundo.

Ainda hoje, ela figura entre os 20 edifícios mais altos da Europa.

A igreja possui três naves principais da mesma altura e uma única torre.

A “catedral” de Ulm sobreviveu quase incólume aos bombardeios devastadores da II Guerra Mundial, apesar de 80% do centro histórico da cidade ficarem reduzidos a ruínas pelas bombas.

Aliás, fato semelhante se deu em Colônia: todas as construções de outros séculos foram pulverizadas pelas bombas dos aliados, a ponto de os cordeiros pastarem o capim que crescia entre os escombros da outrora grandiosa cidade.

Naves centrais de Ulm, a igreja mais alta do mundo
Naves centrais da igreja mais alta do mundo
Também a inconclusa catedral de Colônia, erigida séculos antes, ficou em pé, altaneira, como que protegida pelos anjos.

Foi um sinal assombroso da bênção divina que pousa sobre as grandes realizações da era de Fé e Luz que foi a Idade Média.

No século XIX ela acabou sendo completada.

O que dizer da sabedoria medieval capaz de erguer prédios que superam a imensa maioria dos levantados em séculos posteriores e que resistiram aos séculos e aos bombardeiros mais ferozes que a História recorda?

Sem dúvida, a sabedoria que os medievais amavam e fizeram deles, muito contribuiu para tal.

Mas é só isso?

Não há um desígnio de Deus pairando sobre essas maravilhosas construções góticas, protegendo-as das insensatezes dos homens?

E não haverá nelas um ensinamento para o nosso presente arquitetônico, marcado pela instabilidade dos projetos, pelos materiais vulgares e estruturas efêmeras?

Não haverá ali uma indicação para nosso futuro?

Para as catedrais que virão após a Igreja superar a presente crise que parece querer levá-la ao fundo dos infernos?


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terça-feira, 15 de outubro de 2024

Apologia de Notre Dame feita por um ateu famoso

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
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[A restauração da Catedral de Notre-Dame foi feita por Vioilet-le-Duc no século XIX. Um dos fatos que mais contribuiu para que se empreendesse tal restauração foi o romance de Victor Hugo, “Notre-Dame de Paris”. E, neste, especialmente o trecho que transcrevemos abaixo.]
Sem dúvida é ainda hoje um majestoso e sublime edifício a igreja de Notre-Dame de Paris.

Mas, por mais bela que tenha se conservado ao envelhecer, é difícil não lamentar, não se indignar ante as degradações, as mutilações sem nome que simultaneamente o tempo e os homens infligiram no venerável monumento, sem respeito por Carlos Magno que pôs a primeira pedra, por Felipe Augusto que pôr a última.

Sobre a face desta velha rainha de nossas catedrais, ao lado de uma ruga acha-se sempre uma cicatriz. “Tempus edax, homo edacier” (O tempo é voraz; o homem, ainda mais). O que eu traduziria, sem hesitação, assim: “o tempo é cego; o homem, estúpido”.

Se tivermos o trabalho de examinar um a um com o leitor os diversos traços de destruição impressos na antiga igreja, a parte do tempo será a menor; a pior é a dos homens, sobretudo dos homens de arte.

É preciso que eu diga “os homens de arte”, uma vez que houve indivíduos que assumiram a qualidade de arquitetos nos dois últimos séculos.

E, antes, para não citar senão alguns exemplos capitais, existem, sem dúvida, poucas páginas arquiteturais mais belas do que essa fachada na qual se encontram, sucessivamente e ao mesmo tempo, os três portais vazados em ogiva, o cordão bordado e rendado dos vinte e oito nichos reais, a imensa rosácea central flanqueada pelas suas duas janelas laterais, como o padre pelo diácono e sub-diácono, a alta e frágil galeria de arcadas com trevos que sustenta uma pesada plataforma sobre suas finas colunetas, enfim as duas negras e maciças torres com seus telhados de ardósia, partes harmoniosas de um todo magnífico, superpostas em cinco estágios gigantescos, que se apresentam ao olhar, em multidão e sem perturbação, com seus inumeráveis detalhes de estatuária, de escultura e de cinzelagem, ligadas possantemente à tranqüila grandeza do conjunto.

Vasta sinfonia em pedra, por assim dizer. Obra colossal de um homem e de um povo. Produto prodigioso da cotização de todas as forças de sua época, na qual sobre cada pedra vê-se jorrar de cem maneiras a fantasia do artesão disciplinada pelo gênio do artista.

Espécie de criação humana, em uma palavra, possante e fecunda como a criação divina, da qual ela parece ter furtado a dupla característica: variedade, eternidade.

E o que dizemos aqui da fachada, é preciso dizer da igreja inteira. E o que dizemos da igreja catedral de Paris, é preciso dizer de todas igrejas da Cristandade na Idade Média.

Tem-se tudo nessa arte nascida de si mesma, lógica e bem proporcionada. Medir o dedo é medir o gigante.

Voltemos à fachada de Notre-Dame, tal como nos aparece ainda no presente, quando vamos piedosamente admirar a grave e poderosa catedral, que aterroriza, no dizer dos cronistas: “quae mole sua terrorem incutit spectantibus” (a qual por seu vulto incute medo aos que a vêem).

E se entrarmos no interior do edifício, quem derrubou esse colossal São Cristóvão, proverbial entre as estátuas ao mesmo título que a grande sala do Palácio (de Justiça) entre os recintos de reunião, que a flecha de Strasburgo entre os campanários?

E essa miríade de estátuas que povoavam todos os interstícios das colunas da nave e do coro, ajoelhadas, em pé, eqüestres, homens, mulheres, crianças, reis, bispos, guardas, em pedra, em mármore, em ouro, prata, cobre, em cera mesmo, quem brutalmente as varreu daí?

Não foi o tempo.

E quem substituiu ao velho altar gótico, esplendidamente repleto de escrínios e relicários esse pesado sarcófago de mármore feito de cabeças de anjos e de nuvens, o qual parece uma amostra desemparceirada de Val-de-Grâce ou dos Invalides?

Quem soltou estultamente esse pesado anacronismo de pedra no selo carolíngio de Hercandus?

Não foi Luiz XIV cumprindo o voto de Luiz XIII?

E quem colocou frios vidros brancos no lugar desses vitrais ‘hauts em couleur’ que faziam hesitar o olhar maravilhado de nossos pais entre a rosa do grande portal e as ogivas da abside?

E o que diria um sub-cantor da igreja do século XVI vendo a bela caiação amarela com a qual nossos arcebispos vândalos lambuzaram sua catedral?

Ele se lembraria que era a cor com a qual o carrasco pintava os edifícios celerados; lembrar-se-ia do hotel Petit-Bourbon, também todo melado de amarelo pela traição do condestável, “amarelo de tão boa tempera, diz Sauval, e tão bem executado, que mais de um século não pôde ainda fazê-lo perder sua cor”.

Ele creria que o lugar santo tornou-se infame, e rugiria.

E se subíssemos na catedral, sem nos determos em mil barbáries de todo gênero, o que se fez dessa encantadora pequena torre que se apoiava sobre a ponta de intersecção do transepto, e que, não menos frágil e não menos ousada que sua vizinha flecha – também destruída – da Sainte Chapelle, penetrava no céu, mais alta que as terras, ‘élancée’, aguda, serena, recortada de maneira a deixar passar a luz?

Um arquiteto de bom gosto (1787) a amputou e acreditou que bastava mascarar a chaga com esse largo emplastro de chumbo que parece a tampa de uma marmita.

Foi assim que a arte maravilhosa da Idade Média foi tratada em quase todos países, sobretudo na França.

Pode-se distinguir sobre sua ruína três espécies de lesões que indicam em diferentes profundidades: primeiramente, o tempo que insensivelmente abriu brechas aqui e ali e reboou por toda parte sua superfície; depois, as evoluções políticas e religiosas, que, cegas e coléricas por natureza, arrojaram-se em tumulto sobre ela, rasgaram sua rica veste de esculturas e de cinzelagens, cegaram suas rosáceas, romperam seus colares de arabescos e pequenas figuras, arrancaram suas estátuas, quer por sua mitra, quer por sua coroa; enfim, as modas, cada vez mais grotescas e tolas, que desde os anárquicos e esplêndidos desvios da Renascença, sucederam-se na decadência necessária da arquitetura.

As modas fizeram mais mal do que as revoluções.

Elas cortaram no vivo, elas atacaram a estrutura óssea da arte, cortaram, talharam, desorganizaram, mataram o edifício na forma como no símbolo, em sua lógica como em sua beleza.

E depois elas refizeram; pretensão que ao menos não tiveram nem o tempo, nem as revoluções. Elas afrontosamente colocaram, por ‘bon geste’, sobre as feridas da arquitetura gótica, seus miseráveis enfeitozinhos de um dia, suas fitas de mármore, seus pompons de metal, verdadeira lepra de ovos, de velutas, de contornos, de cortinas, de guirlandas, de franjas, de chamas de pedra, de nuvens de bronze, de cupidos gordos, de querubins inchados, que começa a devorar a face da arte no oratório de Catarina de Médicis, e a faz expirar, dois séculos depois, atormentada e caricatural, no ‘bourdoir’ da Du Barry.

Assim, para resumir os pontos que acabamos de indicar, três modalidades de devastações desfiguram hoje a arquitetura gótica.

Rugas e verrugas na epiderme, é a obra do tempo; vias de fato, brutalidades, contusões, fraturas, é a obra das revoluções desde Lutero até Mirabeau. Mutilações, amputações, deslocamento de membros, ‘restaurações’, é o trabalho, grego, romano e bárbaro, dos professores segundo Vitruvo e Vignele.

Essa arte magnífica que os vândalos produziram, os acadêmicos mataram. Aos séculos, às revoluções que devastam, veio se juntar à nuvem dos arquitetos de escola, patenteados, jurados e juramentados, degradando com o discernimento e a escolha de mau gosto, substituindo por chicórias de Luiz XV as rendas góticas, para a maior glória do Parthenon.

É o coice do asno no leão moribundo.

É o velho carvalho que se cerca e que, por cúmulo, é picado, mordido, despedaçado pelas lagartas.



(Autor: Victor Hugo, « Notre-Dame de Paris », Garnier-Flamnarion 1967, pp, 131 a 134)



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terça-feira, 1 de outubro de 2024

Riquezas Góticas

Catedral de Bamberg, Alemanha
Catedral de Bamberg, Alemanha
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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A Idade Média foi época de profundo movimento intelectual.

Gigantes do espírito como São Gregório VII e os cluniacenses pugnavam para alcançar os mais elevados fins.

Na contenda entre a Igreja e o Estado cada qual se preocupava pelas questões mais transcendentes.

Ainda que não possuíssemos nenhuma obra histórica que nos falasse da vida intelectual daquela época, os edifícios nos falariam dela, como letras impressas na vida dos povos.

Bologna, Itália
Bologna, Itália
Apesar de todas as lutas, apesar de todas as calamidades que dizimaram a população por fenômenos naturais, penúrias e doenças, de tal sorte que freqüentemente os cemitérios não bastavam; apesar de toda a perda de forças humanas e de capitais que as Cruzadas levaram ao Oriente; edificou-se muito, belo e original.

O estilo românico atingiu sua perfeição e o gótico ou normando, começa seu esplendor.

Na arte venceu a idéia cristã.

Entre os sálios floresceu o estilo românico, principalmente junto ao Reno (catedrais de Espira, Mogúncia e Worms); através de Guilherme, o Conquistador, o gótico floresceu na Normandia e na Inglaterra e dali logo estendeu-se sobre a maior parte da Europa.

Abadia de Maulbronn, Alemanha
Abadia de Maulbronn, Alemanha
Se o arco românico permite apenas uma altura limitada, o arco ogival adapta-se para os prédios mais poderosos e ousados.

Por mais alta e pesada que seja a abóboda, parece, não obstante, leve e altiva; as esbeltas colunas crescem e elevam-se da terra e entrelaçam-se em cima, naturalmente, numa espécie de teto de folhagem de um bosque de pedra.

Toda a construção, que tomou a forma da cruz da basílica, está penetrada de simbolismo mais profundo:

a águia é a imagem da alma que se eleva até Deus;

o cervo, da alma que tem sede da verdade;

a rosa sobre o pórtico é o símbolo do silêncio e significa que neste sagrado recinto há de emudecer tudo que for mundano;

pelas altas janelas a luz não penetra a não ser filtrada, pois aqui brilha outra luz que não é a do sol material.

Os monstros, utilizados na parte externa como calhas, lembram-nos de que até o mal há de servir o bem...

Abadia do Monte Saint-Michel, França
Abadia do Monte Saint-Michel, França
Os espaços são amplos, as ondas de povo vão e vêm; aqui se batiza, ali ministra-se a Comunhão, nas capelas laterais praticam-se isoladas devoções.

Imagem da Religião, o edifício aspira a abarcar todo o mundo.



(Autor: João Batista Weiss, “História Universal”, Versión de la 5ª. Edición alemana, Aviño 20, Barcelona, t. V, Pp. 179 a 182)



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