O campanário da catedral de Rouen, França é o da direita. A torre mais alta é a chamada 'lanterne' |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
É meio-dia, soa o Ângelus. Alguns se recolhem e dirigem as suas preces ao Céu. Em geral eles estão mais orgulhosos de seu campanário paroquial do que de suas prefeituras.
É fácil compreender: o sino lhes fala mais ao coração do que os discursos prolixos e interesseiros dos políticos.
Sob vários pontos de vista, o sino é a alma da aldeia. Ele representa a Providência divina que vela sobre as misérias humanas.
Ele anuncia as alegrias e as tristezas, a vida e a morte. As missas, os batismos, os casamentos, os funerais… a vida inteira está sob o império sereno e acessível do campanário, ou seja, da Santa Madre a Igreja.
Não toquem no meu campanário…
Compreendeu-o bem a França profunda das pequenas aldeias. Por isso, ao longo dos séculos, seus habitantes marcaram com sua personalidade a variedade quase insondável de estilos de campanários.
Alguns são pontudos como agulhas, desafiando a lei da gravidade em busca do céu. Outros são fortes como torres de fortalezas, quadrados e altivos, abrigando os seus sinos.
Todos traduzem, de algum modo, as tendências primeiras do povo da região onde se encontram. Nada a ver com a massificação sem alma e sem personalidade dos edifícios modernos, que se podem construir iguais em qualquer lugar do mundo.
Sinos da catedral de LIMBURG an der Lahn, Alemanha :
Apesar de todas as devastações decorrentes das guerras, do protestantismo, do igualitarismo imposto pela Revolução Francesa, da dita modernização da vida e da decadência dos costumes, a França conserva ainda em seus panoramas belezas e doçuras que caracterizam a filha primogênita da Igreja.
Uma dessas belezas encontra-se na riqueza de estilos arquitetônicos. E como subproduto, a diversidade de campanários das igrejas e capelas, de acordo com a região ou sub-região onde se encontram.
Um campanário na Alsácia, na Bretanha, na Normandia, nos Alpes, na Borgonha, no Quercy ou na Provença podem até apresentar entre si diferenças de estilo maiores do que aquelas existentes entre alguns países.
Assim, as diferenças entre a Alsácia e a Bretanha talvez sejam maiores do que entre Portugal e Espanha, ou mesmo do que os países sul-americanos entre si.
A torre da municipalidade, símbolo do lugar
A torre da igreja como emblema de personalidade de um lugar ou de uma região tem seu êmulo civil nas torres dos edifícios públicos da municipalidade.
Beffroi da prefeitura de Arras na noite, França |
Esses edifícios espelhavam geralmente um estilo próprio da região e tinham no campanário o seu ponto mais cuidado, sobretudo em Flandres, antigo condado hoje situado em parte na Bélgica e em parte no norte da França.
Os campanários flamengos são verdadeiras obras-primas de arte e simbolismo.
Com efeito, tratando-se de uma região que eminentemente comercia produtos de qualidade (como tapetes, tecidos etc.), a sua riqueza espelhava-se nos edifícios públicos, entre os quais o campanário desempenhava um papel saliente.
Com efeito, nos tempos de outrora em que as guerras eram feitas com exércitos de infantaria e tropas de cavalaria, o beffroi era a torre municipal destinada a dar o alarme em caso de aproximação do inimigo, para que a cidade pudesse organizar rapidamente a sua própria defesa.
São célebres os beffrois de Gand, Bruges, Arras, entre tantos outros.
Influências dos sinos na vida dos habitantes
Costumo ir a uma paróquia do Perche, na região central da França, tipicamente agrícola, onde se criou a raça de cavalos percheron.
Felizmente aí existem ainda famílias numerosas e uma presença considerável de crianças, que levam alegria aos lares, de maneira a causar inveja aos casais que evitam os filhos.
Terminada a missa, um dos prazeres inocentes dessas crianças consiste em disputar a corda do sino, pendurando-se nela ao sabor do vai-e-vem do badalo.
Campanário da igreja de Miremont, França |
Sim, os sinos transmitem harmonias que refletem certos estados de espírito. Ademais, eles são desiguais entre si, pelo tamanho e pela importância da capela, igreja, abadia ou catedral onde se encontram.
Sem falar nas maneiras de tocá-los, desde o triste anúncio de um enterro até o alegre bimbalhar de um dia de festa.
Os sinos das capelas em geral são pequenos e de timbre agudo. Por isso são festivos e quase diria juvenis. As igrejas são desiguais, conforme o seu tamanho e a sua importância. Podem até possuir carrilhões.
Mas, de um modo geral, as igrejas paroquiais situam-se numa mediania bem acima das capelas. Pelos toques do Angelus, ou de convite para a Missa, elas davam outrora vida à cidade e ao campo.
A vida material era regulada pelo influxo sobrenatural. E isso produzia na sociedade civil uma doçura no trato, uma seriedade no cumprimento do dever, uma riqueza de alma que inconscientemente ungia e amenizava as agruras da vida.
Emprego sempre o tempo passado, pois de há muito os sinos emudeceram devido à “fumaça de satanás” que penetrou na Igreja, para usar a expressão de Paulo VI. Hoje a vida doméstica é pautada sobretudo pelos programas de televisão.
Na vida das paróquias, haveria que acrescentar ainda dois outros elementos consonantes ao sino: o órgão e o coral.
Sinos da catedral de ERFURT, Alemanha :
Mas aqui as coisas se complicam, porque a música depende do compositor, o órgão do organista e o coral do maestro. E aí temos o confronto de escolas, de estilos, de interpretações.
Belíssimo
ResponderExcluirBom-dia,Salve Maria!
ResponderExcluirQue Catedrais extraordinárias, um bálsamo diante de tudo que ocorre
no mundo contemporâneo. Muito obrigado. Salve Maria!