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terça-feira, 9 de dezembro de 2025

DIJON: campanário feito pelas fadas ou pelos anjos?

Dijon, a cidade dos cem campanários: a catedral no fundo, São Filiberto na esquerda
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Catedrais e igrejas têm também histórias, fatos e lendas para contar.

Entre muitas, está a história do campanário da igreja de São Filiberto, muito próxima da catedral Notre Dame de Dijon, capital da Borgonha, na França.

  “Dijon é a cidade dos cem campanários!”

Esta exclamação histórica foi pronunciada no topo da fortaleza de Talant pelo rei Francisco I assim que ele descobriu a seus pés o espetáculo inesquecível da capital da Borgonha – França – emergindo da bruma matinal.

Foi numa manhã de 1515. Grande mecenas das artes durante o Renascimento, Francisco I partia com um exército rumo à Itália.

São Benigme
Porém, sua famosa exclamação não foi tão original, pois toda cidade de alguma importância desenvolvida na Idade Média havia sido louvada em termos análogos.

Pois ao se considerar os campanários de suas catedrais, igrejas paroquiais, abadias e capelas, conventuais ou privadas, não se conseguia contar o número.

Naquela época a França era com toda razão reconhecida como a filha primogênita da Igreja.

Catedral Notre Dame e a torre do relógio
Os campanários de Dijon são em geral cobertos com telha ou ardósia.

Alguns deles, entretanto, eram protegidos por chapas de pedra conhecidas como “laves”.

Um campanário apresenta características muito peculiares.

O da igreja de São Filiberto, por exemplo.

Essa igreja se ergue à sombra da catedral, edificada por volta do ano mil pelo arquiteto italiano Volpiano.

Alguns séculos depois, os noviços da abadia de São Benigno quiseram construir uma igreja mais “ao vento”, “na moda” da época.

E encomendaram o projeto a um arquiteto da região.

Tinha que ser uma igreja nova, sem os "vestígios obsoletos do passado".

O arquiteto quebrou a cabeça para conceber um prédio segundo a moda nova: de estilo humanista, que ressuscitava o velho estilo romano pagão.

São Filiberto e seu campanário de lenda
A tarefa não era simples, pois devia ser discreto, não derrubando a igreja já existente e fingindo manter o estilo e a originalidade da Borgonha.

Afinal o novo santuário ficou quase pronto, com um detalhe importante: para satisfazer à ânsia de modernidade e originalidade, não possuía campanário.

Os habitantes de Dijon eram muito ciumentos de seus abençoados sinos e dos respectivos campanários.

E eles contavam que, na noite anterior à consagração do templo, fadas ou anjos – as opiniões divergiam sobre este ponto especial – combinaram entre si edificar eles mesmos a torre que o capricho dos homens eivados de Renascença recusava.

E trabalharam até a madrugada.

Quando o carrilhão da abadia de São Benigno começou a chamar os monges para a recitação de Matinas, a surpresa estava ali.

Desenhando seu perfil na noite, um campanário se erguia aos céus onde não devia haver nenhum!

Na manhã cedinho, a nova igreja de São Filiberto ostentava o mais brilhante campanário da cidade.

Ele estava feito inteiramente com pedra entalhada, mas trabalhado com tanta perfeição, arte e detalhe que parecia feito de renda.

Com um particular: em virtude de um senso de hierarquia bem graduado, o novo campanário, resplandecente de alvura, fora feito com o cuidado de não ficar mais alto que o da catedral, mãe de todas as igrejas da diocese.


(Fonte: Sophie e Béatrix Leroy d’Harbonville, “Au rendez-vous de la Légende Bourguignonne”, ed. S.A.E.P., Ingersheim 68000, Colmar, França)



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terça-feira, 11 de novembro de 2025

REIMS: catedral para coroar o rei da França

Luis Dufaur
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Após os horrores revolucionários da Revolução Francesa e as não menos revolucionárias nem menos sangüentas guerras de Napoleão, os príncipes legítimos da casa de Bourbon, retornaram a Paris.

O primeiro em entrar na antiga capital do reino, foi o Conde de Artois ‒ futuro Carlos X ‒ irmão caçula do decapitado rei Luis XVI.

A entrada do Conde de Artois em Paris foi um episódio de fábula.

Se não fosse o caráter pagão das “Mil e uma Noites”, a gente diria uma fábula das “Mil e uma Noites”.

Entrada do conde de Artois em Paris
Ele era um príncipe feito mais de cristal do que de carne, tendo todas as graças e os charmes da delicadeza francesa, tendo todas as finuras, os raffinements, as cortesias da elegância francesa.

Tendo, ao mesmo tempo, uma atitude paternalíssima em relação ao povo.

E o povo notou essa paternalidade e ficou encantado, chegou a abraçar os cavalos dele, não sem algum perigo do cavalo de repente dar um coice.

E o Conde de Artois avançava sem se perturbar, enquanto o povo abria caminho.

O povo da Áustria fica simplesmente derretido e emocionado quando um arquiduque da casa imperial volta, depois de uma longa perseguição.

É a volta de um pai inocente.

No caso da França não. 

Nossa Senhora, Reims
O príncipe é o sonho que todo o mundo gostaria de ter, que gostaria de viver, com o qual se pensava quando os canhões brutais soavam perto de Paris anunciando as violentas vitórias de Napoleão.

No fundo os corações do povo de Paris pensavam no toque dos sinos da Catedral de Reims quando era coroado um rei da França.


Eles batiam pensando na cerimônia da coroação, uma das mais belas cerimônias da Cristandade.

A catedral de Reims é a catedral feita pela França monárquica para prestar culto ao representante temporal de Deus na Terra.



(Fonte: Plinio Corrêa de Oliveira, 31/3/95. Sem revisão do autor)



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terça-feira, 28 de outubro de 2025

A luz dos vitrais refletida na catedral

Cena com elementos do campo num vitral da catedral de Chartres
Cena com elementos do campo num vitral da catedral de Chartres
Luis Dufaur
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Além dos temas de decoração propriamente religiosos — cenas bíblicas que mostram as correspondências do Novo Testamento com o Antigo, pormenores da vida da Virgem e dos Santos, quadros grandiosos do Juízo Final ou da Paixão de Cristo — os pintores e escultores tiraram largo partido do que a natureza lhes punha diante dos olhos.

Toda a flora e fauna do nosso país renascem sob o pincel ou o cinzel, com precisão e golpe de vista de um naturalista, aliados ao que a fantasia lhes sugeria.

Foi possível estudar nos pórticos das catedrais as diferentes espécies reproduzidas e descobrir flores e folhagens da Ilha de França: aqui em botão, lá em pleno desabrochar, acolá sob o aspecto recortado da folhagem outonal.

Utilizaram com igual à-vontade os motivos de decoração geométrica — folhagens, entrançados, animais estilizados — cujo modelo lhes havia sido fornecido pelo Oriente, e que os monges irlandeses tinham feito renascer com exuberância singular nas suas miniaturas.

O simbolismo das catedrais escapa ainda à ciência moderna, embora nos últimos anos se tenha dado um grande passo em frente, graças sobretudo aos trabalhos admiráveis de Emile Mâle.

Descobriu-se recentemente o simbolismo das pirâmides do Egito, e deve-se ver nelas o testemunho de uma ciência muito profunda, de autênticos monumentos de geometria, matemática e astronomia, embora ressalvando os exageros de alguns ocultistas.

Resta-nos descobrir o simbolismo das catedrais, dessas igrejas familiares que são um apelo à oração, ao recolhimento, talvez à mais maravilhosa das sensações humanas, que é o espanto.

Nossa Senhora de Amiens, em sua catedral.
Nossa Senhora de Amiens, em sua catedral.
Estamos longe de dominar o seu segredo.

Ainda não penetramos a fundo no porquê dos pormenores de arquitetura ou de ornamentação que as compõem, apenas sabemos que todos esses pormenores tinham um sentido.

Não há uma única dessas figuras — que rezam, fazem carantonhas ou gesticulam — colocada gratuitamente, todas possuem a sua significação e constituem um símbolo, um signo.

Nos vitrais, os nossos sábios ainda não foram capazes de descobrir a sua completa interpretação, embora os simples camponeses lessem neles como num livro.

Nem sempre conseguimos identificar esses rostos, que outrora uma criança teria podido nomear.

Sabemos que as nossas catedrais estavam orientadas, que o seu transepto reproduz os dois braços da Cruz, mas faltam-nos ainda muitas noções para podermos penetrar no seu mistério.

(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)


Vídeo: Chartres: catedral da luz imaterial e do sacrifício litúrgico perfeito





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terça-feira, 14 de outubro de 2025

A Missa numa catedral medieval

Luis Dufaur
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Os capítulos que Guilherme Durand (séc. XIII) consagrou à explicação da Missa então entre os mais surpreendentes de sua obra: “Rational”.

Eis aqui, por exemplo, como ele interpreta a primeira parte do Divino Sacrifício.

“O canto grave e triste do Introito abre a cerimônia: ele exprime a espera dos Patriarcas e dos Profetas. O coro dos clérigos representa o côro dos Santos da Antiga Lei, que suspiram antes da vinda do Messias, que eles, entretanto não verão”.

“O bispo entra, então, e ele aparece como a figura viva de Jesus Cristo. Sua chegada simboliza o aparecimento do Salvador, esperado das nações”.

“Nas grandes festas leva-se diante dele sete tochas, para lembrar que, segundo a palavra do Profeta, os sete dons do Espírito Santo repousam sobre a cabeça do Filho de Deus. Ele se adianta sob um pálio triunfal, do qual os quatro carregadores são comparados aos quatro Evangelistas.

“Dois acólitos caminham à sua direita e à sua esquerda, e representam. Moisés e Elias, que se mostraram no Thabor dos dois lados de Nosso Senhor. Eles nos ensinam que Jesus tinha por Si a autoridade da Lei e a autoridade dos Profetas”.

“O bispo senta-se em seu trono e permanece silencio. Ele parece não desempenhar nenhum papel na primeira parte da cerimônia. Sua atitude contém um ensinamento: ela nos recorda pelo seu silêncio, que os primeiros anos da vida de Nosso Senhor se desenrolaram na obscuridade e no recolhimento”.

“O Sub-Diácono, entretanto, dirige-se para a cátera, e, voltado para a direita, lê a Epístola em alta voz. Entrevemos aqui o primeiro ato do drama da Redenção.

“A leitura da Epístola, é a pregação de São João Batista no deserto. Ele fala antes que o Salvador tenha começado a fazer ouvir Sua voz, mas ele não fala senão aos judeus.

“Também o Sub-Diácono, imagem do Precursor, se volta para o norte, que é o lado da Antiga Lei. Quando a leitura termina, ele se inclina diante do bispo, como o Precursor se humilhou diante de Nosso Senhor”.

“O canto do Gradual, que segue a leitura da Epístola, se reporta ainda à missão de São João Batista: ele simboliza as exortações à penitência que ele fez aos judeus, à espera dos tempos novos”.

“Enfim, o Celebrante lê o Evangelho. Momento solene, porque é aqui que começa a vida pública do Messias, Sua palavra se faz ouvir pela primeira vez no mundo. A leitura do Evangelho é a figura de Sua pregação".

“O Credo segue o Evangelho, como a fé segue o anúncio da verdade. Os doze artigos do Credo se reportam à vocação dos doze Apóstolos”.

“Quando o Credo termina, o bispo se levanta e fala ao povo. Escolhendo esse momento para instruir os fiéis, a Igreja quis lhes recordar o milagre de Sua expansão.

“Ela lhes mostra como a verdade, recebida antes somente pelos doze Apóstolos, se espalhou em um instante, no mundo inteiro”.

Tal é o senso místico que Guilherme Durand atribuiu à primeira parte da Missa.

Depois dessa espécie de preâmbulo, ele chega à Paixão e ao Sacrifício da Cruz. Mas aqui, seus comentários tornam-se tão abundantes e seu simbolismo tão rico, que é impossível, por uma simples análise, dar uma idéia. É necessário que se vá ao original.

Nós dissemos bastante, entretanto, para deixar entrever alguma coisa do gênio da Idade Média.

Pode-se imaginar tudo que uma cerimônia religiosa continha de ensinamentos, de emoção e de vida para os cristãos século XIII.

Um uso tão constante do simbolismo pode deixar estupefato alguém que não esteja familiarizado com a Idade Média.

É preciso porém não fazer como fizeram os beneditinos do século XVIII, não ver ali senão um simples jogo de fantasia individual.

Sem dúvida, tais interpretações não foram nunca aceitas como dogmas. Não obstante, é notável que elas quase nunca variam. Por exemplo, Guilherme Durand, no século XIII, atribui a estola o mesmo significado que Amalarius no século IX.

Mas o que é mais interessante aqui, mais do que a explicação tomada em si, é o estado de espírito que ela supunha. E o desdém pelo concreto; é a convicção profunda de que, através de todas as coisas desse mundo se pode chegar ao espiritual, pode-se entrever Deus. Eis aqui o verdadeiro gênio da Idade Média.

(Autor: Emile Mâle, “L'Art Religieux du XIII Siècle en France”, Librairie Armand Colin, 1958, pag. 51)