Catedral de Soissons, França. foto David Iliff. |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
No contexto medieval dos séculos XI e XII, as escolas monásticas e episcopais sediavam grandes escolas de teologia.
Essas escolas procuraram explicitar a fundo a ordem posta por Deus na Criação para a Sua maior glória. A ordem do universo contida na Bíblia foi cotejada com os ensinamentos aproveitáveis dos gênios gregos e romanos da antiguidade.
O estudo, a contemplação, a meditação e a oração permitiram aos mestres espirituais medievais atingir um conhecimento profundamente raciocinado da grandiosidade e do simbolismo da glória de Deus e da Igreja, impressos na imensa catedral divina que é o Universo.
O gótico nasceu como sendo o estilo mais adequado para exprimir a fisionomia com que Deus que Se faz conhecer na Criação.
Por isso a catedral, que já era a casa de Deus por excelência, tinha que conter em si, embora em miniatura, a majestosa ordenação espiritual, metafísica e material de toda a estrutura e de toda a beleza do criado.
Na hora de reconstruir a abadia real de Saint-Denis, hoje na periferia de Paris, o abade beneditino Suger vivificou a primeira catedral gótica.
Ele reuniu de modo indissociável a ordem monárquico-aristocrática divina, refletida entre os homens pela monarquia francesa, e a glória da Igreja Católica, Corpo Místico de Cristo, governada pelos sucessores de São Pedro e dos Apóstolos.
Ambulatório da igreja de St-Germain l'Auxerrois, Paris, França. Foto David Iliff |
E aplicou pela primeira vez, de modo generalizado, a ogiva gótica. Os muros subiram a alturas nunca vistas, e as delicadas paredes sustentadas por abóbadas de nervuras e arcobotantes se abriam para a entrada gloriosa da luz.
Cristo é a Luz que ilumina todas as coisas. Pela primeira vez, os artistas começaram a pintar com luz, a qual passou a dar sentido e vida aos vitrais como o espírito ilumina e vivifica a matéria.
Nos vitrais, Deus passou a Se dar a conhecer através da luz, como Cristo no Tabor.
Basílica abacial de St Denis, Paris, França, rosácea do transepto norte. foto David Iliff |
E a ordem clara e hierárquica, impregnada de simbolismo e que governa todas as coisas, ficou explícita e Deus refletido nela foi adorado.
Como São Tomás de Aquino, Suger lia, admirava e comentava a teologia de Pseudo-Dionísio, o Areopagita, a hierarquia luminosa dos anjos e a fabulosa riqueza de seres, como as estrelas no céu as areias no mar.
E após considerar o oceano de perfeições que Deus pôs ao nosso alcance, procurava imaginar as insondáveis belezas que Deus nos tem reservado para a eternidade. E aspirava por uma representação material dessa Jerusalém Celeste que ajudasse os homens a atravessar este vale de lágrimas.
A luz é a comunicação do divino, do sobrenatural, é o veículo real para a comunhão com o sagrado. Através dela o homem comum pode admirar a glória de Deus e aperceber-se melhor da sua mortalidade e inferioridade.
Através dos vitrais, a luz cria uma áurea de misticismo. Catedral São Pedro, Beauvais, França. |
Através dos grandes vitrais, ela se difunde numa áurea de misticismo, enquanto a verticalidade das ogivas reforça a carga simbólica e o empuxe ascensional rumo às hierarquias celestes.
As paredes, libertas da sua função de apoio, sobem em altura gerando um espaço gracioso e etéreo que toca no Céu e na eternidade.
A catedral não é enigmática nem esotérica como os templos do paganismo do Oriente. Ela é acessível ao homem comum, atraindo-o de modo palpável.
A criança é capaz de assimilar e compreender suas imagens e vitrais.
Nelas ela aprende o catecismo, a História Sagrada, os rudimentos da Fé e da filosofia, da vida dos santos e das lendas, bem como histórias de seu país.
Mais ainda. O templo gótico torna-se o ponto de contato com o divino, é um livro de pedra onde o simples fiel ouve a Deus e como que fala com Ele e O vê com seus santos e seus anjos.
Nossa Senhora está ali e a maioria das novas catedrais medievais lhe é dedicada – a Notre-Dame.
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