Outras formas de visualizar o blog:

terça-feira, 1 de agosto de 2023

O entusiasmo religioso na construção da catedral de CHARTRES

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs





Como foram feitas as catedrais medievais?

O renomeado historiador da arte Émile Mâle descreve alguns aspectos do ambiente de fervor na construção da catedral de Chartres, de causar admiração. Eis o texto:

A história da catedral de Chartres, aquela que temos sob os nossos olhos, marcou o início do século XII.

A velha catedral, que havia sido levantada pelo bispo D. Fulberto (952-970 –1028) nos primeiros anos do século XI e que fora restaurada por Santo Ivo (1040 – 1115), ainda estava de pé, mas começando a parecer modesta demais.

As gerações heroicas que fizeram as cruzadas tinham o amor da grandeza. Um pouco antes da metade do século XII, deliberaram levantar um campanário isolado a alguma distância da fachada.

Aconteceu que, no século XII, da mesma maneira que nos tempos antigos, a torre foi concebida como edifício separado que não se ligava ao resto da igreja.

Esta foi a origem da torre norte, que Jean de Beauce completou no século XVI com uma flecha de estilo gótico flamejante.

Mas logo o senso da simetria levou a reproduzir, fazendo pendant do lado sul, um campanário similar.

Decidiu-se que as duas torres já não mais ficariam isoladas, mas reunidas à catedral, que seria ampliada até encontrá-las.

Finalmente, decidiu-se construir, mais além da antiga fachada do século XI, uma outra, muito mais magnífica, que seria embelezada com esculturas e que tornaria a catedral verdadeiramente digna de Nossa Senhora.

Esta fachada deveria aparecer por trás das duas torres, que a emoldurariam com sua poderosa projeção e a banhariam com uma meia luz propícia para ressaltar o mistério das esculturas.

Tal era a intenção primitiva da nova fachada que alguns anos depois foi mudada para frente e reedificada entre as duas torres.

O entusiasmo das multidões

Essas altas torres, que se erguiam em louvor de Nossa Senhora, suscitaram na região de Chartres um entusiasmo que nos pareceria inacreditável se não fosse atestado por muitos relatos contemporâneos.

Nós entrevemos aqui algo do gênio do século XII, que é um dos grandes séculos de nossa história.

Em 1144, Robert de Torigni, abade do Monte Saint-Michel, escreveu em sua Crônica:

“Neste ano, se viu em Chartres fiéis que se atrelavam a carros carregados com pedras, madeira, trigo e tudo o que poderia ser usado nos trabalhos da catedral, cujas torres cresciam como por arte de magia.

“O entusiasmo tomou conta da Normandia e da França: em todos os lugares se viam homens e mulheres arrastar fardos pesados através de pântanos lamacentos; por toda parte se fazia penitência, em todo lugar perdoavam-se os inimigos”.

Robert de Torigni nos assegura que o exemplo veio de Chartres, e nada é mais exato.

Em uma carta escrita no ano seguinte, Haimon, abade de Saint-Pierre-sur-Dives, confirma ponto por ponto esta narração. Ele conta aos monges ingleses de Tutbury os eventos extraordinários que aconteciam nesse momento sob seus olhos na Normandia.

“Acabam de formar-se confrarias – disse-lhes – à imitação daquela que nasceu na catedral de Chartres. Vemos milhares de fiéis, homens e mulheres, se atrelarem a pesados carros carregados com tudo o que é necessário para os operários: madeira, cal, vinho, trigo, óleo.

“Entre aqueles servos voluntários há senhores poderosos e mulheres de nobre berço. Entre eles reina a mais perfeita disciplina e um profundo silêncio.

“Durante a noite, eles se reúnem num acampamento com suas charretes, o iluminam com velas e entoam cânticos.

“Eles trazem seus doentes, na esperança de que serão curados.

“Está estabelecida a união dos corações; e se alguém está tão endurecido que não perdoa seus inimigos, a sua oferenda é removida da charrete como algo impuro, e ele próprio é expulso com nota de ignomínia da sociedade do povo santo”.

No mesmo ano de 1145, uma carta de Hugo, arcebispo de Rouen, dá a conhecer a Thierry, bispo de Amiens, eventos em tudo similares.

Ele lhe informa que os normandos, tendo ouvido falar do que estava acontecendo em Chartres, ficaram determinados a imitar aquilo que tinham visto.

Eles constituíram associações e, após terem confessado seus pecados, se atrelaram às carroças sob a liderança de um chefe.

“Nós permitimos – acrescenta o arcebispo – a nossos diocesanos praticarem esta devoção em outras dioceses”.

Esta preciosa passagem nos prova que muitas outras igrejas, cujos nomes ficaram desconhecidos para nós, foram construídas dessa maneira.

A fecundidade artística do século XII tem qualquer coisa de prodigioso. Há na França vastas regiões onde quase não há uma igreja de aldeia que não remonte ao século XII.

Ficamos espantados quando pensamos em todo o talento, todo o trabalho e todos os recursos empregados para realizar essa imensa obra.

Houve então um impulso de fé, de abnegação, um espírito de sacrifício, do qual a construção das torres de Chartres é o mais belo exemplo.


Vídeo: construção da catedral Notre Dame de Paris




(Autor: Émile Mâle, da Académie Française, Notre-Dame de Chartres, Flammarion, Paris, 1994, 190 páginas, p.23-26.)



GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS ORAÇÕES HEROIS CONTOS CIDADE SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

terça-feira, 25 de julho de 2023

ESTRASBURGO: “Quem lhe disse isso?” ‒ “A própria torre!”

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Das Memórias do poeta alemão Goethe:

Um outro fatinho me roubou os últimos dias. Eu estava numa casa de campo, em companhia de pessoas agradáveis, e dali se podia ver a parte anterior de um convento e a torre [da catedral de Estrasburgo] que sobressaía majestosamente.

Alguém comentou: “Pena que não está tudo terminado e que só tenhamos a torre para ver!”

Eu, porém, disse: “Também me causa pena que não se possa apreciar essa torre inteiramente; pois as quatro volutas são muito desajeitadas e melhor seria que houvesse, no lugar delas, quatro torrezinhas esguias, bem como uma mais alta no meio, onde está aquela cruz pesadona”.

Quando fiz esse comentário com minha costumeira simplicidade, um homenzinho vivaz se voltou para mim e disse:

‒ “Quem lhe disse isso?”

Respondi: “A própria torre! Eu a tenho contemplado tantas vezes, com tanta atenção, e lhe tenho demonstrado tanta veneração, que ela um dia me confessou esse segredo evidente”.

Então, aquele homenzinho me replicou:

‒ “Ela o informou com toda a exatidão! Eu sei isso muito bem, pois sou o encarregado da construção do edifício. Tenho em meus arquivos a planta original e esta confirma o que o senhor diz, e posso mostrar-lhe”.

Por causa da minha viagem, pedi que ele fizesse aquela amabilidade a todo vapor.

Ele mandou trazer a planta valiosa.

Reconheci imediatamente as torrezinhas que faltavam e que estavam desenhadas a óleo na planta e lamentei não ter sido informado disso antes.

Mas comigo acontece sempre isso: quando contemplo e analiso as coisas, só muito depois e com muito esforço é que chego a um conceito princeps que não me seria tão notável e frutífero quanto se o tivessem explicitado antes para mim!



Fonte: Johann Wolfgang von Goethe, das memórias autobiográficas, publicadas sob o título Dichtung und Wahrheit (Poesia e verdade), in Goethe – Werke in vier Bünden, Caesar Verlag, Salzburg, 1983, vol. 1, Parte III, Livro 11, p. 190. Apud “A inocência primeva e a contemplação sacral do universo no pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira”, Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, São Paulo, 2008, p. 50.




GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS ORAÇÕES HEROIS CONTOS CIDADE SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

terça-feira, 11 de julho de 2023

A SAINTE CHAPELLE de PARIS e o sonho da catedral de cristal

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







Em algumas construções góticas começa a despontar um sonho.

É o sonho é de abolir o granito e transformar tudo em cristal.

Esse sonho germina na Sainte-Chapelle de Paris.

A Sainte-Chapelle conserva de pedra apenas o necessário para suportar o teto e servir de encaixe para os vitrais.

O espírito que concebeu a Sainte-Chapelle se pudesse fazer um edifício todo de cristal, sentir-se-ia realizado.

A alma do homem medieval era como uma arca com uma porção de tesouros.

Eles iam tirando tesouro por tesouro.

Os medievais tinham muitos tesouros e riquezas na sua alma profundamente católica.

Isso lhes vinha da devoção filial, enlevada e varonil a Nossa Senhora.

E por meio da Mãe de Deus subiam como um jato para Nosso Senhor Jesus Cristo, nosso Salvador.

Eles foram lentamente manifestando essas riquezas.

Até que chegaram por fim ao gótico.

O que mais faltava?

Eles atingiram uma perfeição de alma profunda e verdadeiramente católica.

O sonho da catedral de cristal




The Sainte Chapelle of Paris and the Dream of a Crystal Cathedral



Desejaria receber as novas postagens de 'Catedrais Medievais' em meu Email gratuitamente

GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS ORAÇÕES HEROIS CONTOS CIDADE SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

terça-feira, 4 de julho de 2023

REIMS: catedral que venceu muitos séculos


A cidade de Reims (França) já comemorou os oito séculos de sua belíssima catedral com festividades religiosas e civis, além de apresentações culturais, vencendo todos os fatores de demolição.

Em 6 de maio de 1211, o Arcebispo Aubry de Humbert colocava a pedra fundamental da atual catedral de Reims. No mesmo dia, em 1210, um incêndio devastador destruíra parcialmente a cidade, atingindo a catedral anterior.

O essencial do monumento que hoje admiramos só ficou pronto em 1275, recebendo novos acabamentos e enfrentando novos desgastes, inclusive um incêndio da estrutura do teto (charpente) em 1481.

Alguns detalhes do projeto inicial tiveram de ser abandonados e na guerra de 1914-18 os alemães a bombardearam impiedosamente, destruindo todo o teto e todos os elementos mais frágeis.

Foram necessários 20 anos de árdua reconstrução e restauração das partes danificadas, muitas das quais podem ser vistas no Museu do Tau, antigo palácio arquiepiscopal, contíguo à catedral.

No dia 15 de maio p.p. celebrou-se a Missa solene comemorativa dos 800 anos da catedral medieval, construída sobre os fundamentos das catedrais anteriores.

Na nave central, uma pedra assinala: “Aqui São Remi batizou Clóvis, rei dos francos”.

São Remi (ou Remígio) era então Arcebispo de Reims. Além de Clóvis, ele batizou 3.000 de seus guerreiros no dia de Natal de 498.

São Remi disse então, ao rei franco, as célebres palavras referentes ao paganismo: “Queima o que adoraste, adora o que queimaste”.

O rei fora convertido por sua esposa, Santa Clotilde. Quando enfrentara os alamanos, dois anos antes, na lendária batalha de Tolbiac (em alemão Zülpich, perto de Colônia), Clóvis pediu ajuda “ao Deus de Clotilde” que lhe deu a vitória. Foi então que teria decidido converter-se.

Conta-se que durante o batismo uma pomba desceu do céu trazendo uma ampola que continha um óleo, utilizado para a unção do rei.

Essa ampola foi destruída pelos facínoras na Revolução Francesa, restando hoje apenas algumas gotas, conservadas na basílica de São Remi.

Mais tarde tornou-se tradição os reis se fazerem sagrar em Reims.

Na atual catedral foram sagrados nada menos que 25 reis de França: de Luís VIII e seus filhos São Luís IX (1223 e 1226) a Luís XVI e Carlos X (1775 e 1825).

Uma das sagrações mais célebres foi a de Carlos VII, em 1429, conduzido ao trono por Santa Joana d’Arc, presente no ato.

Apesar de seu projeto não ter sido inteiramente realizado, a catedral de Reims é das mais belas da França e da Europa. Viollet-le-Duc, o gênio da restauração medieval no século XIX, pensava em concluir as torres da catedral com suas agulhas apontando para o céu. Não foi possível.

De qualquer forma, a catedral é uma verdadeira jóia, figura da Jerusalém celeste, que nos convida ao desprezo das banalidades deste mundo para contemplar as belezas inefáveis do paraíso celestial.




GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS ORAÇÕES HEROIS CONTOS CIDADE SIMBOLOS
Voltar a 'Glória da Idade MédiaAS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISCONTOS E LENDAS DA ERA MEDIEVALA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS