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terça-feira, 15 de outubro de 2024

Apologia de Notre Dame feita por um ateu famoso

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








[A restauração da Catedral de Notre-Dame foi feita por Vioilet-le-Duc no século XIX. Um dos fatos que mais contribuiu para que se empreendesse tal restauração foi o romance de Victor Hugo, “Notre-Dame de Paris”. E, neste, especialmente o trecho que transcrevemos abaixo.]
Sem dúvida é ainda hoje um majestoso e sublime edifício a igreja de Notre-Dame de Paris.

Mas, por mais bela que tenha se conservado ao envelhecer, é difícil não lamentar, não se indignar ante as degradações, as mutilações sem nome que simultaneamente o tempo e os homens infligiram no venerável monumento, sem respeito por Carlos Magno que pôs a primeira pedra, por Felipe Augusto que pôr a última.

Sobre a face desta velha rainha de nossas catedrais, ao lado de uma ruga acha-se sempre uma cicatriz. “Tempus edax, homo edacier” (O tempo é voraz; o homem, ainda mais). O que eu traduziria, sem hesitação, assim: “o tempo é cego; o homem, estúpido”.

Se tivermos o trabalho de examinar um a um com o leitor os diversos traços de destruição impressos na antiga igreja, a parte do tempo será a menor; a pior é a dos homens, sobretudo dos homens de arte.

É preciso que eu diga “os homens de arte”, uma vez que houve indivíduos que assumiram a qualidade de arquitetos nos dois últimos séculos.

E, antes, para não citar senão alguns exemplos capitais, existem, sem dúvida, poucas páginas arquiteturais mais belas do que essa fachada na qual se encontram, sucessivamente e ao mesmo tempo, os três portais vazados em ogiva, o cordão bordado e rendado dos vinte e oito nichos reais, a imensa rosácea central flanqueada pelas suas duas janelas laterais, como o padre pelo diácono e sub-diácono, a alta e frágil galeria de arcadas com trevos que sustenta uma pesada plataforma sobre suas finas colunetas, enfim as duas negras e maciças torres com seus telhados de ardósia, partes harmoniosas de um todo magnífico, superpostas em cinco estágios gigantescos, que se apresentam ao olhar, em multidão e sem perturbação, com seus inumeráveis detalhes de estatuária, de escultura e de cinzelagem, ligadas possantemente à tranqüila grandeza do conjunto.

Vasta sinfonia em pedra, por assim dizer. Obra colossal de um homem e de um povo. Produto prodigioso da cotização de todas as forças de sua época, na qual sobre cada pedra vê-se jorrar de cem maneiras a fantasia do artesão disciplinada pelo gênio do artista.

Espécie de criação humana, em uma palavra, possante e fecunda como a criação divina, da qual ela parece ter furtado a dupla característica: variedade, eternidade.

E o que dizemos aqui da fachada, é preciso dizer da igreja inteira. E o que dizemos da igreja catedral de Paris, é preciso dizer de todas igrejas da Cristandade na Idade Média.

Tem-se tudo nessa arte nascida de si mesma, lógica e bem proporcionada. Medir o dedo é medir o gigante.

Voltemos à fachada de Notre-Dame, tal como nos aparece ainda no presente, quando vamos piedosamente admirar a grave e poderosa catedral, que aterroriza, no dizer dos cronistas: “quae mole sua terrorem incutit spectantibus” (a qual por seu vulto incute medo aos que a vêem).

E se entrarmos no interior do edifício, quem derrubou esse colossal São Cristóvão, proverbial entre as estátuas ao mesmo título que a grande sala do Palácio (de Justiça) entre os recintos de reunião, que a flecha de Strasburgo entre os campanários?

E essa miríade de estátuas que povoavam todos os interstícios das colunas da nave e do coro, ajoelhadas, em pé, eqüestres, homens, mulheres, crianças, reis, bispos, guardas, em pedra, em mármore, em ouro, prata, cobre, em cera mesmo, quem brutalmente as varreu daí?

Não foi o tempo.

E quem substituiu ao velho altar gótico, esplendidamente repleto de escrínios e relicários esse pesado sarcófago de mármore feito de cabeças de anjos e de nuvens, o qual parece uma amostra desemparceirada de Val-de-Grâce ou dos Invalides?

Quem soltou estultamente esse pesado anacronismo de pedra no selo carolíngio de Hercandus?

Não foi Luiz XIV cumprindo o voto de Luiz XIII?

E quem colocou frios vidros brancos no lugar desses vitrais ‘hauts em couleur’ que faziam hesitar o olhar maravilhado de nossos pais entre a rosa do grande portal e as ogivas da abside?

E o que diria um sub-cantor da igreja do século XVI vendo a bela caiação amarela com a qual nossos arcebispos vândalos lambuzaram sua catedral?

Ele se lembraria que era a cor com a qual o carrasco pintava os edifícios celerados; lembrar-se-ia do hotel Petit-Bourbon, também todo melado de amarelo pela traição do condestável, “amarelo de tão boa tempera, diz Sauval, e tão bem executado, que mais de um século não pôde ainda fazê-lo perder sua cor”.

Ele creria que o lugar santo tornou-se infame, e rugiria.

E se subíssemos na catedral, sem nos determos em mil barbáries de todo gênero, o que se fez dessa encantadora pequena torre que se apoiava sobre a ponta de intersecção do transepto, e que, não menos frágil e não menos ousada que sua vizinha flecha – também destruída – da Sainte Chapelle, penetrava no céu, mais alta que as terras, ‘élancée’, aguda, serena, recortada de maneira a deixar passar a luz?

Um arquiteto de bom gosto (1787) a amputou e acreditou que bastava mascarar a chaga com esse largo emplastro de chumbo que parece a tampa de uma marmita.

Foi assim que a arte maravilhosa da Idade Média foi tratada em quase todos países, sobretudo na França.

Pode-se distinguir sobre sua ruína três espécies de lesões que indicam em diferentes profundidades: primeiramente, o tempo que insensivelmente abriu brechas aqui e ali e reboou por toda parte sua superfície; depois, as evoluções políticas e religiosas, que, cegas e coléricas por natureza, arrojaram-se em tumulto sobre ela, rasgaram sua rica veste de esculturas e de cinzelagens, cegaram suas rosáceas, romperam seus colares de arabescos e pequenas figuras, arrancaram suas estátuas, quer por sua mitra, quer por sua coroa; enfim, as modas, cada vez mais grotescas e tolas, que desde os anárquicos e esplêndidos desvios da Renascença, sucederam-se na decadência necessária da arquitetura.

As modas fizeram mais mal do que as revoluções.

Elas cortaram no vivo, elas atacaram a estrutura óssea da arte, cortaram, talharam, desorganizaram, mataram o edifício na forma como no símbolo, em sua lógica como em sua beleza.

E depois elas refizeram; pretensão que ao menos não tiveram nem o tempo, nem as revoluções. Elas afrontosamente colocaram, por ‘bon geste’, sobre as feridas da arquitetura gótica, seus miseráveis enfeitozinhos de um dia, suas fitas de mármore, seus pompons de metal, verdadeira lepra de ovos, de velutas, de contornos, de cortinas, de guirlandas, de franjas, de chamas de pedra, de nuvens de bronze, de cupidos gordos, de querubins inchados, que começa a devorar a face da arte no oratório de Catarina de Médicis, e a faz expirar, dois séculos depois, atormentada e caricatural, no ‘bourdoir’ da Du Barry.

Assim, para resumir os pontos que acabamos de indicar, três modalidades de devastações desfiguram hoje a arquitetura gótica.

Rugas e verrugas na epiderme, é a obra do tempo; vias de fato, brutalidades, contusões, fraturas, é a obra das revoluções desde Lutero até Mirabeau. Mutilações, amputações, deslocamento de membros, ‘restaurações’, é o trabalho, grego, romano e bárbaro, dos professores segundo Vitruvo e Vignele.

Essa arte magnífica que os vândalos produziram, os acadêmicos mataram. Aos séculos, às revoluções que devastam, veio se juntar à nuvem dos arquitetos de escola, patenteados, jurados e juramentados, degradando com o discernimento e a escolha de mau gosto, substituindo por chicórias de Luiz XV as rendas góticas, para a maior glória do Parthenon.

É o coice do asno no leão moribundo.

É o velho carvalho que se cerca e que, por cúmulo, é picado, mordido, despedaçado pelas lagartas.



(Autor: Victor Hugo, « Notre-Dame de Paris », Garnier-Flamnarion 1967, pp, 131 a 134)



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terça-feira, 1 de outubro de 2024

Riquezas Góticas

Catedral de Bamberg, Alemanha
Catedral de Bamberg, Alemanha
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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A Idade Média foi época de profundo movimento intelectual.

Gigantes do espírito como São Gregório VII e os cluniacenses pugnavam para alcançar os mais elevados fins.

Na contenda entre a Igreja e o Estado cada qual se preocupava pelas questões mais transcendentes.

Ainda que não possuíssemos nenhuma obra histórica que nos falasse da vida intelectual daquela época, os edifícios nos falariam dela, como letras impressas na vida dos povos.

Bologna, Itália
Bologna, Itália
Apesar de todas as lutas, apesar de todas as calamidades que dizimaram a população por fenômenos naturais, penúrias e doenças, de tal sorte que freqüentemente os cemitérios não bastavam; apesar de toda a perda de forças humanas e de capitais que as Cruzadas levaram ao Oriente; edificou-se muito, belo e original.

O estilo românico atingiu sua perfeição e o gótico ou normando, começa seu esplendor.

Na arte venceu a idéia cristã.

Entre os sálios floresceu o estilo românico, principalmente junto ao Reno (catedrais de Espira, Mogúncia e Worms); através de Guilherme, o Conquistador, o gótico floresceu na Normandia e na Inglaterra e dali logo estendeu-se sobre a maior parte da Europa.

Abadia de Maulbronn, Alemanha
Abadia de Maulbronn, Alemanha
Se o arco românico permite apenas uma altura limitada, o arco ogival adapta-se para os prédios mais poderosos e ousados.

Por mais alta e pesada que seja a abóboda, parece, não obstante, leve e altiva; as esbeltas colunas crescem e elevam-se da terra e entrelaçam-se em cima, naturalmente, numa espécie de teto de folhagem de um bosque de pedra.

Toda a construção, que tomou a forma da cruz da basílica, está penetrada de simbolismo mais profundo:

a águia é a imagem da alma que se eleva até Deus;

o cervo, da alma que tem sede da verdade;

a rosa sobre o pórtico é o símbolo do silêncio e significa que neste sagrado recinto há de emudecer tudo que for mundano;

pelas altas janelas a luz não penetra a não ser filtrada, pois aqui brilha outra luz que não é a do sol material.

Os monstros, utilizados na parte externa como calhas, lembram-nos de que até o mal há de servir o bem...

Abadia do Monte Saint-Michel, França
Abadia do Monte Saint-Michel, França
Os espaços são amplos, as ondas de povo vão e vêm; aqui se batiza, ali ministra-se a Comunhão, nas capelas laterais praticam-se isoladas devoções.

Imagem da Religião, o edifício aspira a abarcar todo o mundo.



(Autor: João Batista Weiss, “História Universal”, Versión de la 5ª. Edición alemana, Aviño 20, Barcelona, t. V, Pp. 179 a 182)



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terça-feira, 17 de setembro de 2024

França, berço do estilo gótico

Basílica abacial de Saint-Denis, Paris, França, ábside.
foto David Iliff
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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política internacional,
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O núcleo central do gótico tomou forma na região francesa da Île-de-France, e que abarca a zona de Paris e arredores.

Portanto, a abadia de Saint-Denis e a catedral de Notre-Dame.

Estendeu-se depois com celeridade a todo o território francês, e transpondo-o, ramificou-se por toda a Europa católica.

O estilo gótico não ficou parado, mas desenvolveu-se prodigiosamente, dando origem a inúmeras variantes cujo estudo requereu muitos tratados.

E ainda outros estão sendo escritos.

Uma catedral inspira outra, mas nenhuma é igual. Cada qual oferece e desenvolve um aspecto novo.

Nunca há ruptura com os ideais anteriores, mas antes uma assimilação de elementos novos ou antiquíssimos.

O avanço técnico é prodigioso, nas mãos das corporações de construtores, grupos formados pelos mestres anônimos a serviço das construções monásticas ou episcopais, que se movem livremente de obra em obra e elaboram novas técnicas.

A decoração interna e externa dos edifícios tornou-se complexa e requintada.

A perfeição da geometria das formas se inspirava no Templo de Salomão, que Deus revelou como está nas Escrituras. Mas em certo sentido a superava.

Vitrais, estátuas e baixo relevos narram a Bíblia, a vida dos santos, a teologia, a filosofia, descrevem os grandes homens da Antiguidade inclusive greco-romana, as atividades das profissões, as estações dos anos, a disposição dos astros.

Em resumo: a Ordem do Universo. 

Iluminura representando peregrinos rumo a Santiago de Compostela.
Iluminura representando peregrinos rumo a
Santiago de Compostela.
O estilo gótico é contagiante e persuasivo.

Penetrou na sociedade em toda espécie de prédios, inclusive em moradias da burguesia, em prédios públicos, hospitais e outras construções citadinas.

Não ficou só na arquitetura.

Gerou uma escultura própria, que se afirmou pela primeira vez na catedral de Chartres.

A pintura gótica teve seu apogeu entre 1300 e 1350, mas seus primeiros passos foram dados na Inglaterra e na França por volta de 1200; na Alemanha, em torno de 1220; e na Itália, de 1300 e 1400.

As iluminuras constituem os vitrais dos manuscritos.

Figuras e imagens estão integradas num ambiente arquitetônico de fundo gótico e exibem as mesmas expressões graciosas da decoração das catedrais.

A bênção de Deus desceu sobre aquelas magníficas realizações, dotando-as com a mais fina ponta do encanto, que atrai milhões de peregrinos ou simples curiosos do III milênio.

Bibliografia 

BARROS, José D'Assunção. O Romantismo e o Revival Gótico no século XIX . ArteFilosofia – Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal de Ouro Preto, vol.VI, abr/2009. UFOP. Ouro Preto: UFOP, 2009.
FERRATER MORA. Diccionario de Filosofía. México: Editorial Atlante, 1944.
PANOFSKY, Erwin. O Abade Suger de S. Denis. In, Significado nas Arte Visuais. São Paulo: Perspectiva, 2002.
TONAZZI, Pascal. Florilège de Notre-Dame de Paris (anthologie). Paris: Editions Arléa, 2007.
DROSTE-HENNINGS, Julia, DROSTE, Thorsten. Paris-Eine Stadt und ihr Mythos. Köln: DuMont Buchverlag, 2000.
JANSON, H. W. História da Arte. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992.
JAXTHEIMER, Bodo W., Die Baukunst-Stillkunde Gotik. Augsburg: Bechtermünz Verlag, 1982.
Estilo gótico, Wikipedia, https://pt.wikipedia.org/wiki/Estilo_g%C3%B3tico, 20/09/2015 16:35:47






GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS ORAÇÕES HEROIS CONTOS CIDADE SIMBOLOS
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terça-feira, 3 de setembro de 2024

A coroação dos reis da França na catedral de REIMS

Catedral Notre Dame de Reims, nave lateral esquerda.
Catedral Notre Dame de Reims, nave lateral esquerda.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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continuação do post anterior: REIMS: a catedral da sagração dos reis da França



O Guarda dos Selos de França, desempenhando a função de Chanceler, sobe ao altar do lado do Evangelho e chama os doze pares para junto do rei.

Ao som do órgão, o arcebispo coloca sobre sua cabeça a coroa de Carlos Magno, enquanto os duques e pares a tocam com a mão, como símbolo de assistência, obediência e fidelidade.

Depois que o rei pôs sobre os ombros o grande manto azul forrado de arminho e semeado de flores-de-lis de ouro, é conduzido – com a coroa na cabeça, o cetro na mão direita e o bastão da justiça na esquerda – até o trono, onde se assenta.

Os pares o abraçam e proclamam por três vezes: “Vivat Rex in aeternum!” É a entronização.

Os clarins tocam, as portas da catedral se abrem de par em par, e a multidão, enchendo a nave com suas aclamações durante vários minutos, acorre para ver o Rei que Deus lhe deu.

Enquanto o arcebispo começa a missa, das abóbadas são soltos pequenos pássaros simbólicos. Arautos d’armas lançam medalhas da sagração.

Há salvas de mosquetes, descargas de artilharia.

Coroação de Felipe VI, Bibliothèque National de France
Coroação de Felipe VI, Bibliothèque National de France
Sinos tocam “à toute volée” nas paróquias e nos conventos, e o imenso clamor de alegria que percorre a cidade anuncia à França que o trono acabou de receber o Filho de São Luís.

“La belle journée que celle du sacre! Je ne l’oublierai de ma vie” – exclamou emocionada Maria Antonieta.

Exigia uma tradição, perpetuada desde os tempos de São Luís, que o Rei da França destinasse um dia, nas festas de sagração, para curar as lamentáveis chagas físicas dos doentes de seu reino. Era uma tarefa repelente e meritória.

Dois mil e quatrocentos escrofulosos e cancerosos enfileiravam-se de ambos os lados duma comprida alameda, que atravessava o parque à direita da igreja.

“Com o calor – diz o Duque de Croy, que assistiam ao episódio – o mau cheiro era tremendo e o ar estava infecto, de sorte que era preciso muita coragem e força ao rei para tomar parte nessa cerimônia, que eu não teria julgado, antes de a ver, tão rude e repugnante”.

"O rei te toca, que Deus te cure". E os doentes saravam...
"O rei te toca, que Deus te cure". E os doentes saravam...
Acompanhado dos marechais de França e dos oficiais da coroa, Luís XVI, sem se deixar desanimar pelo cheiro e pelo aspecto daquelas chagas horrendas, tocava paternalmente cada um dos enfermos na fronte, nas duas faces e no queixo, fazendo o sinal da Cruz, e dizendo, cada vez, esta frase:

– O Rei te toca, Deus te cure.

Conta a tradição que numerosos doentes saiam curados naquelas ocasiões.



VEJA TAMBÉM:

As curas de REIMS: sinal do aprazimento de Deus com a monarquia francesa

“Le roi te touche, Dieu te guerisse” ‒ “O rei te toca, Deus te cure”





História da catedral de Notre-Dame de Reims

A Catedral de Notre-Dame de Reims disputa com as catedrais de Paris e Chartres, também dedicadas a Nossa Senhora, o título da catedral gótica mais importante da França.

Localiza-se na cidade de Reims, na região de Champagne, produtora do famoso vinho espumante. Como quase todas as grandes catedrais, a atual foi construída no século XIII em substituição a uma antiga igreja.

São Remígio, bispo de Reims, batiza Clóvis, rei dos Francos
São Remígio, bispo de Reims, batiza Clóvis, rei dos Francos
Nos tempos bárbaros e romanos, Reims foi um importante centro comercial. Os romanos chegaram no ano 58 a.C. e encontraram uma região rica em vinhos, madeira, carne e lã, e com ela fizeram aliança.

No ano 250, Reims já era sede do bispado de Champagne, e a conversão das hordas bárbaras ao catolicismo foi conseguida pelos religiosos de Reims.

O marco histórico foi o batismo de Clóvis I, rei dos francos, no ano 498. Clóvis e seu povo deram origem à França e foram o braço armado da Igreja Católica nos caóticos tempos após a queda do Império Romano.

A primeira catedral foi uma pequena igreja, consagrada a Nossa Senhora na época do batismo de Clóvis. No ano 816, ela foi reconstruída para abrigar a cerimônia de coroação do rei da França.

A atual catedral foi iniciada em 6 de maio de 1211 pelo arcebispo Aubrey de Humbert.

Na década seguinte foi completado o coro e as capelas laterais indispensáveis para a celebração da Missa.

A fachada principal foi iniciada em 1252 por Jean le Loupe e os pórticos foram concluídos em 1256.

Em 1299, Robert de Coucy completou a fachada até o nível onde está situada a Galeria dos Reis. A guerra dos Cem Anos, a grande peste de 1348 e um grande incêndio em 1481 atrasaram o projeto.

Aa catedral atingiu a aparência atual apenas 300 anos após a colocação da pedra fundamental, e ainda alguns elementos como as torres permanecem incompletos.

O comprimento da nave chega a 139 metros, maior que Chartres. A largura é de 13 metros e a altura de 35 metros (equivalente a um prédio de doze andares)

Santa Joana d'Arc, imagem na catedral de Reims
Santa Joana d'Arc, imagem na catedral de Reims
A área construída é de 6.650 m2, e a catedral de Reims é, além de belíssima, é uma das maiores obras arquitetônicas e religiosas da humanidade.

O projeto previa a construção de sete torres, mas apenas as torres da fachada principal foram concluídas.

Em 1917, em plena I Guerra Mundial cerca de 300 bombas incendiarias danificaram gravemente a abóbada. A restauração ficou concluída em 1937.

Em 17 de julho de 1429 sob o auspício de Santa Joana D’Arc foi coroado o rei Carlos VII, fato histórico que encaminhou o fim da guerra dos Cem Anos.

Na ocasião, disse ela: “Nobre Rei, assim é cumprida a vontade de Deus, que desejava que eu liberasse a França e vos trouxesse à Reims, para receberdes esta sagrada missão e provar à França que sois o verdadeiro Rei”.

Santa Joana D’Arc é cultuada como a maior heroína e uma santa protetora da França.

Leia a milagrosa gesta de Santa Joana d’Arc:

1. A epopeia gloriosa de Santa Joana d’Arc entra pelo III milênio

2. Tribunal tenta enganar a heroína

3. Missão profética da Donzela de Orleans

4. Uma donzela que desfez o melhor exército da época

5. Sagração do rei em Reims

6. Juízes venais, filosoficamente democráticos, condenam a santa

7. A virgem guerreira na fogueira

8. O grande retorno da heroína santa



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