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quarta-feira, 31 de julho de 2013

A luz da Idade Média na Rainha das Catedrais

Continuação do post anterior


A arte gótica caracteriza-se por abóbadas formadas por ogivas cruzadas, sustentadas por contrafortes de arcos-botantes.

Sobretudo a partir da segunda metade do século XII, com a criação das universidades e o aparecimento de luminares como São Tomás de Aquino e São Boaventura, novas aspirações se manifestaram nos campos da cultura, das ciências e das artes.

Na arquitetura, a tendência era para que as linhas se lançassem rumo ao céu, e no interior penetrasse a luz em abundância. Era precisamente isso que o estilo gótico permitia, ao diminuir o peso sobre as colunas e distribuí-lo por todo o edifício.


“Esse esplendor da luz para o qual tendem os esforços de todos os arquitetos da Idade Média não responde apenas ao desejo de iluminar os fiéis reunidos na nave central e nas laterais, mas também ao desejo de instruí-los pelas representações das verdades da fé nos vitrais das altas janelas. Sabe-se bem como os medievais gostavam dos vitrais em cujo azul do céu se desenrolavam cenas do Antigo e do Novo Testamento e as histórias dos santos da Legenda Áurea”,escrevem Marcel Aubert e Simone Goubet.(4)

O mesmo pensamento encontra-se em Emile Mâle.(5)“A Idade Média concebeu a arte como um ensino. Tudo o que era útil ao homem conhecer — a história do mundo desde a sua criação, os dogmas da religião, os exemplos dos santos, a hierarquia das virtudes, a variedade das ciências, das artes, dos ofícios — era-lhe ensinado pelos vitrais da igreja ou pelas estátuas do pórtico”.

Bíblia dos pobres

Por isso a catedral mereceu dos primeiros impressores do século XV este epíteto tocante: “A Bíblia dos pobres”.

“Os simples, os ignorantes, todos os que compunham ‘a santa plebe de Deus’, aprendiam pelos olhos quase tudo o que sabiam sobre a fé. Essas grandes figuras tão religiosas pareciam dar testemunho da verdade do que ensinava a Igreja.

As inumeráveis estátuas, dispostas segundo um plano sábio, eram como uma imagem da ordem maravilhosa que Santo Tomás fazia reinar no mundo das ideias; graças à arte, as mais altas concepções da teologia e da ciência chegavam confusamente até as inteligências mais humildes”.(6)

Sim, na Idade Média toda forma continha um pensamento, porque a fé é racional: rationabile obsequium.

Nesse sentido, os belíssimos vitrais não representam apenas uma janela para o mundo maravilhoso e quase celeste da religião, mas constituem verdadeiras aulas de catecismo, que podem ser lidas quase como histórias em quadrinhos.

Assim o povinho simples (le menu peuple de Dieu) aprendia sobre a História Sagrada, os dogmas da fé, os exemplos dos santos e a vida eterna. Igualmente a estatuária, fortemente expressiva da linguagem dos símbolos, servia a essa função didática.

Infelizmente essas riquezas, mais espirituais que materiais, foram abandonadas na idade moderna, levando Emile Mâle a dizer que “o simbolismo, que era a alma da nossa arte religiosa, acabava de morrer”.(7)

Entretanto, parece lícito perguntar se de algum modo ele não ressuscitou no século XIX, quando um movimento artístico e literário começou a revalorizar as riquezas da Idade Média.

Ordem na sociedade, ordem nas mentes

Germain Bazin, que foi conservador do museu do Louvre, assim destaca o papel da catedral na evolução dos espíritos na Idade Média:

“A catedral é a expressão monumental dessa preocupação pela ordem que domina o mundo da ação como o do pensamento”.

Por outro lado,“os centros intelectuais se deslocam dos mosteiros para as universidades; a iniciativa artística não pertence mais aos abades, mas aos bispos, levados por um impulso de entusiasmo popular.

“Como o templo antigo, a catedral é o monumento da cidade; de todas as formas monumentais criadas pelas civilizações, ela é a que melhor exprime o esforço consentido de toda uma sociedade.

“A progressiva expansão do estilo gótico em toda a França coincide com esta força de coesão que tende a reagrupar o território da antiga Gália num Estado possante, em torno do poder real”.(8)

No mundo medieval, a catedral é a figura da Cidade de Deus, da Jerusalém celeste — como afirma a liturgia da dedicação das igrejas.

As suas paredes laterais são a imagem do Antigo e do Novo Testamento, os pilares e as colunas representam os Profetas e os Apóstolos, que sustentam a abóbada, da qual Cristo é a chave; o portal é a entrada do Paraíso, embelezado pelas estátuas e baixos-relevos pintados e dourados, bem como os suntuosos batentes de bronze.

A casa de Deus deve ser iluminada pelos raios do sol, deslumbrante de luz como o próprio Paraíso…

Deus é luz e a luz dá beleza às coisas; assim devemos identificar a beleza essencial divina na luminosidade que, com a harmonia e o ritmo, reflete a imagem de Deus.

Por isso, era preciso aumentar a luz interior da catedral abrindo janelas tão grandes o quanto possível.

Por ocasião da dedicação do novo coro de sua igreja, em 11 de junho de 1144, o Abade Suger explica que a beleza da obra deve iluminar a alma de quem a contempla.

O espírito é incapaz de atingir a verdade suprema sem servir-se de representações figuradas (ou símbolos); mas, por meio daquela iluminação da alma é capaz de conhecer a Jesus Cristo, que é a verdadeira “luz que ilumina este mundo”.(9)


(Autor: Gabriel J. Wilson)

continua no próximo post




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