Relógio astronômico da catedral de Lund, Suécia |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A construção das catedrais participa da ciência dos números, esses números que são a harmonia do mundo, e que foram consagrados pela liturgia católica.
0 3 é o algarismo da Trindade, algarismo divino por excelência, que reconduz tudo à unidade e representa as três virtudes teologais.
0 4 é o algarismo da matéria: dos quatro elementos; dos quatro temperamentos humanos; dos quatro evangelistas tradutores da palavra de Deus; das quatro virtudes cardeais, que devem ser praticadas pelo homem na condução da sua vida terrestre.
0 7, que alia o divino ao humano, é o algarismo de Cristo, e depois dele o algarismo do homem resgatado: os quatro temperamentos físicos unidos às três faculdades mentais (intelecto, sensibilidade, instinto).
Ao mesmo tempo, uma outra combinação de 3 e 4 dá 12, o algarismo do universo, dos doze meses do ano, dos doze signos do zodíaco, símbolo do ciclo universal.
O nosso sistema métrico não tomou em conta esses “números-chave”, mas deve-se observar que a atual numeração, um tanto abstrata e rudimentar, não conseguiu adaptar-se, por exemplo, às fases solares e lunares, e continua a ser suplantada em quase toda parte, nos campos, por medidas ao mesmo tempo mais simples e mais sábias.
Tudo isso deixa entrever uma ciência oculta, mais profunda do que se tinha podido suspeitar até agora.
E a iconografia, que na sua forma científica está ainda no começo, poderá abrir dentro de pouco tempo perspectivas ainda ignoradas.
Devemos contentar-nos, de momento, em admirar a maneira como os artistas da Idade Média souberam fazer da sua casa de orações como que o resumo e o apogeu da sua vida e das suas preocupações.
Ela era não apenas o testemunho visível da sua fé, da ciência sagrada e profana, da liturgia, mas ainda o reflexo das suas ocupações quotidianas.
Catedral de Estrasburgo, França |
E encontramos igualmente testemunhos desse robusto sentido da beleza que possuíam os nossos antepassados, do seu amor pela vida, da sua alma serena e amante do trabalho bem feito, da sua imaginação vagabunda, sempre a inventar formas novas (nunca se veem lado a lado na ornamentação medieval, por exemplo, dois motivos de folhagem idênticos), da sua veia folgazona, que não conseguem refrear mesmo na igreja (alguns rostos de vitrais são autênticas caricaturas, e certas estátuas alegres brincadeiras).
Como não nos espantarmos ainda com esse frenesi de construção a que se assiste nos séculos XII e XIII, e que apenas esmorece ligeiramente nos dois séculos seguintes?
Há essas enormes massas de pedra transportadas da pedreira para o local do edifício, esse mundo de escultores, cortadores de pedra, carpinteiros, pintores, operários e ajudantes.
E era cada vez mais impressionante a atividade das oficinas onde se trabalhava o vidro, pois uma catedral como a de Chartres não comporta menos de cento e quarenta e quatro janelas altas.
Abstraindo de toda a emoção artística, pense-se apenas no trabalho gigantesco representado por essa enorme superfície de vidro, composta de parcelas de vidro reunidas; no trabalho dos desenhadores, dos fundidores de chumbo, dos cortadores de vidro; dessa massa de artistas anônimos, cujos esforços conjugados resultaram numa orgia de cores que irradiam no interior do edifício.
Rosácea de Chartres, França |
Contrariamente ao que se crê, tais obras-primas eram construídas rapidamente, e não se hesitava em demolir para fazer melhor.
Maurice de Sully, para reconstruir a Notre-Dame, destruiu a igreja construída apenas setenta anos antes.
Em Laon, o bispo Gautier de Mortagne edifica por volta de 1140 uma igreja gótica no lugar da igreja românica, que no entanto datava apenas de 1114.
E o não menos admirável está longe de ser a continuidade, a unidade desse imenso esforço dos construtores.
As gerações que se sucedem formam um todo; tradições e segredos de ofício são transmitidos sem solução de continuidade; e não se hesita, ao longo da construção ou das reconstruções parciais, em utilizar todos os aperfeiçoamentos da técnica.
Arcobotantes do século XIV vêm ombrear uma nave do século XIII, mas o conjunto permanece harmonioso.
No castelo de Vincennes podem-se ver lado a lado duas janelas elaboradas a cem anos de distância uma da outra, e que parecem feitas para conviver, embora totalmente diferentes como arte e como arquitetura.
Abadia do Mont Saint-Michel, França |
Eis a razão pela qual certas restaurações demasiado conscienciosas acabaram por transformar os monumentos em vítimas e os desfiguraram, pois tentou-se refazer tudo de acordo com uma mesma ordenação e com regras e cânones que nunca existiram na mentalidade dos construtores.
Onde antes se atingia sem esforço a harmonia, só conseguiram produzir uniformidade.
As evoluções da arte medieval explicam-se quase sempre por aperfeiçoamentos da técnica, e os pormenores de ornamentação pelas necessidades da arquitetura.
Não se teriam construído gárgulas, por exemplo, se elas não servissem como goteiras para vazar a água.
E se as curvas de contornos nítidos da rosácea de estilo gótico foram atenuadas, tomando a forma característica do estilo flamboyant (flamejante), foi para facilitar o escoamento das águas da chuva, pois ao congelarem no ângulo em que se alojavam, produziam freqüentemente o rebentamento da pedra.
Na evolução da arte medieval há um elemento de harmonia, que um exemplo ilustra com justeza impressionante.
Nos primórdios da arte gótica — período das ogivas nítidas, das pequenas rosáceas — o botão de flor é um motivo corrente de ornamentação.
Estátua de São Luiz em Saint-Louis, Missouri. Fundo: rosácea de Notre-Dame |
No século XV, finalmente o botão transformou-se em flor, e enquanto a escultura se exaspera em formas mais que humanas, contorcidas e dolorosas, abrem-se os arcos de abóbada, as curvas atenuam-se, o arco flamejante termina a evolução.
Poder-se-iam escrever longas páginas sobre a música medieval, que iniciativas recentes repõem no devido lugar, com tanta ciência como gosto.
Testemunho mais que eloquente se poderia invocar com o depoimento de Mozart:
“Daria toda a minha obra para ter composto o Prefácio da missa gregoriana”.
GLÓRIA CRUZADAS CASTELOS ORAÇÕES HEROIS CONTOS CIDADE SIMBOLOS
Aprecio todos os seus textos. Obrigada
ResponderExcluirDe nada
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