Capela do College de Exeter, Grã-Bretanha. |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Comparando as obras arquitetônicas dos últimos três séculos com as da Idade Média, a maravilhosa superioridade desta última deve impressionar todo observador atento, escreveu o célebre criador do Big Ben A.W.Pugin.
A mente é levada naturalmente a refletir sobre as causas que produziram esta imensa mudança, e esforçar-se para rastrear a queda de gosto arquitetônico, a partir do período de seu primeiro declínio até os dias atuais.
O grande teste de beleza arquitetônica é a adequação do projeto ao fim a que se destina.
O estilo de um edifício deve corresponder ao uso para o qual foi criado e o espectador deve perceber logo de vez o objetivo para o qual foi erguido.
Agindo sobre este princípio, diferentes nações deram origem a muito variados estilos de arquitetura, cada um adequado a seu clima, costumes e religião.
Os edifícios religiosos estão entre os monumentos mais esplêndidos e duradouros. Por isso, não pode haver dúvida de que diferentes ideias e cerimônias religiosas tiveram de longe a maior influência na formação dos vários estilos na arquitetura.
Quanto mais intimamente compararmos os templos das nações pagãs, com seus ritos religiosos e mitologias, mais estaremos satisfeitos com a verdade desta afirmação.
Neles todos os ornamentos, cada detalhe tinha uma importância mística.
A pirâmide e obelisco da arquitetura egípcia, seus capiteis em flor de loto, suas esfinges gigantescas e seus múltiplos hieróglifos, não eram meras combinações extravagantes de arquitetura e ornamentos, mas emblemas da filosofia e mitologia dessa nação.
Cada elemento da arquitetura gótica tem um significado místico. Catedral de Ely, Grã-Bretanha. |
O mesmo princípio da arquitetura resultante da crença religiosa, pode ser traçado a partir das cavernas de Elora, às ruínas druídicas de Stonehenge e Avebury.
Em todas estas obras de antiguidade pagã, encontraremos sempre que o plano e a decoração do edifício são místicos e emblemáticos.
Há de se supor que só o cristianismo, com suas verdades sublimes, com seus estupendos mistérios, deve ser deficiente a este respeito, e não possuir uma arquitetura simbólica para seus templos que incorpore suas doutrinas e instrua seus filhos?
Certamente não.
E não é só isso: do cristianismo surgiu uma arquitetura tão gloriosa, tão sublime, tão perfeita, que todas as produções do antigo paganismo afundam, quando comparadas, ao nível dos sistemas falsos e corruptos pelos quais foram originadas.
A arquitetura cristã reivindica formas muito mais elevadas da nossa admiração do que a mera beleza ou a antiguidade.
A beleza pode ser considerada como uma questão de opinião.
A antiguidade não é prova de excelência.
Mas somente na arquitetura cristã encontramos encarnada a fé do cristianismo e a ilustração de suas práticas.
As três grandes doutrinas da redenção do homem pelo sacrifício de Nosso Senhor na Cruz; das três pessoas iguais unidas num só Deus; e da ressurreição dos mortos, são a base da arquitetura cristã.
A primeira – a Cruz – não é apenas o próprio plano e a forma de uma igreja católica, mas ela coroa cada torre e duas águas, e é impressa como um selo de fé no próprio mobiliário do altar.
As formas e estilo do gótico falam dos grandes mistérios da Fé. Catedral de Wells, Grã-Bretanha. |
A terceira doutrina – a Ressurreição dos mortos – está muito bem exemplificada pela grande altura das linhas verticais, que foram consideradas pelos cristãos, a partir do período mais antigo, como o emblema da ressurreição.
De acordo com antiga tradição, os fiéis oravam numa posição ereta, tanto aos domingos e durante o tempo pascal, em alusão a este grande mistério.
Isso é mencionado por Tertuliano e por Santo Agostinho. Stantes oramus, quod est signum Resurrectionis; e, no último Concílio de Nisa, foi proibido de se ajoelhar aos domingos, ou desde a Páscoa até Pentecostes.
Com o princípio vertical de fundo, sendo um emblema reconhecido da ressurreição dos mortos, podemos facilmente explicar a adoção do arco ogival dos cristãos, criado com o propósito de ganhar maior altura dentro de uma limitada largura.
Eu digo adoção, porque a mera forma do arco ogival é de grande antiguidade; e o próprio Euclides deve ter estado perfeitamente familiarizado com ele. Mas não houve nada que o pusesse em uso, até que o princípio vertical foi afirmado.
As igrejas cristãs tinham sido previamente construídas com o objetivo de altura interna: o trifório e o clerestório já existiam nas igrejas dos saxões.
Nota: Trifório é uma galeria estreita, aberta sobre o andar das arcadas ou das tribunas e sob o clerestório nas paredes laterais da nave principal nas igrejas ou catedrais medievais.
Malmesbury: o clerestório é o nível superior com janelas,
o trifório é a galeria abaixo do clerestório.
Esta galeria sem janelas faz a ligação estética entre os outros elementos do conjunto dando beleza à parede que de outro modo ficaria vazia e fechada para o exterior.
No estilo gótico novos progressos permitiram instalar vitrais na zona do trifório.
Clerestório é a parte da parede da nave iluminada naturalmente por um conjunto de janelas laterais do andar superior das igrejas medievais do estilo gótico.
De uma forma geral, se refere à fiada de janelas altas, dispostas sobre um telhado adjacente. Fonte : verbete Trifório, Wikipedia.
Elevados como eram estes edifícios, quando comparados com os templos chatos e deprimidos da antiguidade clássica, a introdução do arco ogival permitiu aos construtores obter quase o dobro da altitude com a mesma largura.
As características e detalhes todos das igrejas erguidas durante a Idade Média não expõem os triunfos da verdade cristã?
Como a própria religião, as fundamentos das igrejas góticas estão na Cruz, e a partir dEla sobem para o céu em majestade e glória.
A nave elevada e o coro, com torres ainda mais elevadas, coroada por aglomerados de pináculos e torres, todas apontadas para o céu, são os mais belos emblemas da resplandecente esperança católica e a derrota vergonhosa do paganismo.
A Cruz, exaltada em glória – símbolo de misericórdia e perdão – coroando o edifício sagrado, o interpõe entre a ira de Deus e os pecados da sociedade.
Pugin, o arquiteto de Deus
Augustus Welby Northmore Pugin, nascido em Londres em 1º de Março de 1812, tinha apenas 24 anos quando publicou Contrastes.
O autor ofereceu nele todo um programa que redefiniu a arquitetura como uma força moral, imbuída de significado político e religioso.
A mensagem de Pugin era simples: se algo está errado em nossas cidades, algo está errado conosco, sendo necessárias reformas na sociedade e na arquitetura.
Em Contrastes ele defendeu um renascer da arquitetura gótica medieval, e com ela um retorno à fé e às estruturas sociais da Idade Média.
Pugin propôs-se reconstruir a Grã-Bretanha através de uma Cristandade gótica católica.
Foi uma cruzada inimaginável, mas o sucesso foi maior do que o esperado. Quando fez 30 anos, já havia construído 22 igrejas, três catedrais, três conventos, escolas e um mosteiro cisterciense.
Pugin queria reformar a sociedade levando-a de volta a uma hierarquia benigna, a um medievalismo no qual cada classe poderia olhar para a que lhe era superior e dela receber apoio, enquanto os de cima aceitavam a responsabilidade de proteger os que estavam embaixo.
Ele forneceu elementos para o projeto vencedor do Parlamento de Londres onde desenhou alguns de seus mais admirados ambientes, como o interior da Câmara dos Lordes.
O Big Ben de Londres é a mais genial obra neogótica de Pugin
Seu último projeto, feito em 1852, ficou o mais famoso: a torre do relógio do Palácio de Westminster, o celebérrimo Big Ben. Ele morreu aos 40 anos de idade.
(Autor: Rosemary Hill, autora de “Arquiteto de Deus: Pugin e construção da Grã-Bretanha romântica”, Penguin ed.)
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