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terça-feira, 6 de outubro de 2020

Notre-Dame de Paris: a flecha e o Reino de Maria

A agulha de Notre Dame tal qual era antes do incêndio
A agulha de Notre Dame tal qual era antes do incêndio

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






A fumaça ainda envolvia a catedral de Notre-Dame quando, em 17 de abril de 2019, o então primeiro-ministro francês Édouard Philippe prometia solenemente, no palácio presidencial do Élysée, um “concurso internacional de arquitetos” para refazer o telhado devorado pelas chamas e erigir uma nova flecha na catedral. Cfr. Le Figaro

Comunicou que o presidente Emmanuel Macron aspirava por um radical “gesto arquitetônico contemporâneo”, acenando para um referendo sobre as mudanças que “dariam à catedral características de nossa época”.

Aproveitando-se do impacto emocional causado pelo incêndio, o presidente Macron achou que seria o momento de desnaturar a catedral, como outros já tentaram, e fez o anúncio de um concurso de projetos modernizantes de restauração.

Pressurosamente acolhida pela grande mídia, essa proposta parecia indicar que os franceses aprovavam a mudança de estilo auspiciada pelo presidente.

Mas se ele o fizesse, incorreria em flagrante violação da lei francesa e dos tratados internacionais, que obrigam o país a restaurar os monumentos históricos no estado em que estavam no momento da catástrofe (à l’identique, segundo a concisa expressão francesa).

Agulha ecológica na linha ousada postulada pelo presidente Macron
Agulha ecológica na linha ousada postulada pelo presidente Macron
Redes sociais e a grande mídia anunciaram pouco depois uma avalanche de projetos elucubrados por conceituados estúdios de arquitetura contemporânea.

Rivalizavam eles entre si no item feiura, sobressaindo a nota panteístico-ecológica, bem ao gosto dos próceres do Sínodo Pan-amazônico, além de sugestões posteriores para o mundo pós-pandemia.

No tempo de Luís XV, “projeto ecológico” recusado

Há muito se tenta desfigurar Notre-Dame.

No Ancien Régime, chegou à mesa do rei Luís XV um plano radical do arquiteto Pierre Patte, reunindo muitos outros projetos. (Chama-se Ancien Régime o antigo regime político-social vigente na França, na época anterior à Revolução Francesa. Expressão comumente usada para indicar o período entre o reinado do primeiro dos Bourbons (Henrique IV, 1594-1610) e a Revolução de 1789)

Assim o descreve Yvan Christ, o maior historiador da arquitetura de Paris: “Eis a Île de la Cité reunida à Île Saint-Louis.

“Notre-Dame destruída, ao mesmo tempo que dezessete pequenas igrejas inteiramente inúteis, por sua falta de tamanho e porque não têm grandeza e dignidade para representar o ‘Ser Supremo’.

“A esse ‘Ser Supremo’ se dedicaria um templo no local da Place Dauphine [que desapareceria]”.(Yvan Christ, “Paris des utopies”, Ed. Balland, Paris, 1977. Prefácio)

Já emergia então sob Luís XV esse ‘Ser Supremo’ dos agnósticos, tão enaltecido depois pela Revolução que se aproximava.

O plano previa destruir a catedral de Nossa Senhora de Paris e dedicar-lhe a ilha onde ela se encontra incluindo uma estátua do rei e de outros monumentos a serem construídos entre tufos de vegetação, tudo ao gosto do bon sauvage de Jean-Jacques Rousseau, precursor do ecologismo.

Outras reformas previstas para ambos os lados do rio Sena deformariam para sempre a fisionomia da Paris medieval.

Plan geal apresentado ao rei Luis XV por Pierre Patte, que suprimiria todos os monumentos históricos da Ile de la Cité. Stanford Libraries
Plan geal apresentado ao rei Luis XV por Pierre Patte,
que suprimiria todos os monumentos históricos da Ile de la Cité.
Stanford Libraries
Entretanto Luís XV se opôs, porque a demolição de incontáveis casas particulares, lojas e ateliês poderia suscitar um motim popular.

O projeto ficou arquivado e não se realizou.

A opinião pública a favor da tradição

Pouco depois do incêndio de 2019, a Société Française pour la Défense de la Tradition, Famille et Propriété (TFP francesa) saiu às ruas de Paris numa campanha de assinaturas, a serem entregues ao presidente e ao ministro da Cultura, pedindo que essa joia da arte gótica medieval fosse restaurada sem qualquer concessão à arte dita moderna ou contemporânea.

A petição da TFP france

sa afirma: “Notre-Dame é um lugar sagrado que pertence a Deus e à História, o qual não pode ser transformado em joguete nas mãos de arquitetos ávidos de ganhar fama, e que desprezam a nossa identidade”.(Catolicismo, Junho/2019)

A campanha de rua foi acompanhada de um abaixo-assinado digital, atingindo 143.000 assinaturas.

A iniciativa presidencial foi perdendo apoio, enquanto os apelos pela restauração “à l’identique” se multiplicavam.

Opuseram-se à mudança os que amam a França antiga, tradicional, católica, nascida na Idade Média; do lado modernizante insistiam os cultores da França revolucionária, gerada pelos crimes da Revolução Francesa (1789).

Um entrechoque não apenas teórico, mas muito concreto, e diz respeito ao reerguimento da agulha neogótica de 169 metros de altura, criada no século XIX pelo genial arquiteto Viollet-le-Duc.

Os especialistas mais categorizados produziram um relatório de 3.000 páginas, entregue ao Ministério da Cultura pelo arquiteto-chefe de Notre-Dame, Philippe Villeneuve.

Em 9 de julho de 2020, diante da forte insistência da opinião pública e dos argumentos irretorquíveis dos especialistas, o presidente Macron renunciou àsua fantasia modernista.

Jovens rezando ante Notre Dame incendiada
Jovens rezando ante Notre Dame incendiada

Definia-se assim o pleito que a revista Connaissance des Arts qualificou de “querela entre os Antigos e os Modernos”.

Apareceram e ainda aparecerão tentativas de bombardear a decisão.

Por exemplo, alegou-se ser um absurdo restaurar o telhado com madeira de carvalho, porquanto o antigo pegou fogo; e ao invés disso deveriam ser utilizados materiais modernos, como o concreto ou o aço, que seriam mais duráveis, econômicos e de rápida montagem.

Mas logo a Associação Carpinteiros Sem Fronteiras, integrada por marceneiros profissionais, demonstrou ser possível reconstruir “à l’identique” a armação de carvalho do telhado de Notre-Dame.

Acompanhados por testemunhas, em menos de uma semana fizeram uma das 25 “tesouras” no bosque do castelo de Ermenonville (em tamanho real, incluindo o abate das árvores e seguindo as mesmas técnicas e instrumentos dos carpinteiros medievais).

Essas tesouras são estruturas triangulares de 10 metros de altura por 14 de largura, que sustentam a cobertura da catedral.

As toras seculares de carvalho que sustentavam o telhado duraram desde a Idade Média, e se não fosse o fogo poderiam servir por mais oito séculos!

Esse “teste” provou que com apenas um milheiro dos milhões de carvalhos que o Estado possui nos bosques nacionais, e por um custo quase irrisório, toda a estrutura do telhado de Notre-Dame ficaria pronta entre cinco a oito meses!

O transporte se faria pelo rio Sena, e a madeira seria trabalhada ao pé da catedral, “strictement à l'identique” do legado medieval.

Esse teste ficou registrado vários vídeos de Youtube.




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