Missa numa capela lateral de uma catedral |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
O conhecimento geral da liturgia facilita a tarefa do artista, que se verga quase por instinto às suas exigências.
Assim, nos nossos dias o altar está a maior parte das vezes mais elevado, para permitir aos fiéis seguir com a vista as cerimônias.
Outrora, era sobretudo através do canto e das orações vocais que os fiéis a elas se associavam, donde o extremo cuidado com a acústica: alternância das arcadas, ordenação das abóbadas, etc.
Sobretudo há o problema da luz. Certas épocas preferiram igrejas sombrias, pois considerava-se que a obscuridade favorece o recolhimento.
Mas na Idade Média se amava a luz, e a grande preocupação foi ter santuários cada vez mais claros.
Pode-se dizer que todas as descobertas da técnica arquitetônica tenderam a possibilitar mais espaços livres na construção, para que as imensas vidraças pudessem deixar passar cada vez mais sol e iluminar sempre melhor o esplendor do ofício religioso.
Em Beauvais, por exemplo, a parede serve apenas para enquadrar as partes de vitral, e o faz com uma ligeireza assustadora, excessiva mesmo, já que o edifício nunca pôde ser continuado para além do transepto.
No entanto, mais ainda do que a beleza, a solidez é que era visada. Nada se compreendeu de uma catedral gótica antes de se saber que o volume de pedra enterrado no solo, para o trabalho das fundações, ultrapassa o da pedra erguida para o céu.
Sob essa aparente fragilidade, sustentando as gráceis colunetas e as flechas rendilhadas, esconde-se uma poderosa armação de pedra, obra paciente e robusta.
Todas as obras da Idade Média possuíam sólida fundação, que não se descobre à primeira vista, tal é a ligeireza e a fantasia com que sabe ocultar-se.
Sob a aparente fragilidade de gráceis colunetas e flechas rendilhadas, esconde-se uma poderosa armação de pedra. Catedral de Rouen, França. |
Não há pormenor de ornamentação que não esteja submetido a um pormenor de arquitetura, nada é deixado ao acaso naquilo que nos parece pura exuberância de imaginação.
Em certas igrejas os painéis esculpidos seguem rigorosamente a disposição do aparelho. É muito visível em Reims, no famoso baixo-relevo da Communion du Chevalier (Comunhão do Cavaleiro).
Zomba-se por vezes da rigidez, da “ingenuidade” (sempre ela!) de certas estátuas, como as que ornamentam o pórtico de Chartres, mas trata-se na realidade de uma rigidez intencional, de nenhum modo rígida, uma vez que a estátua mais não é do que a animação do fuste, devendo as suas linhas subordinar-se às linhas retas e apertadas de uma fileira de colunas.
Quando contemplamos essas pedras cinzentas das nossas catedrais, e as suas esculturas, somos tentados a ver nelas o triunfo do desenho, mas de fato a cor explodia em toda parte.
Não apenas nas pinturas ou no vitral, mas também na pedra.
Não é exato falar-se do tempo em que as catedrais eram “brancas”, pois nelas a explosão da cor, tanto no interior como no exterior, prolongava a da luz. Era um mundo cintilante, em que tudo se animava.
É claro que os tons eram sabiamente combinados. Por vezes vivos e exuberantes, vastos frescos cobriam espaços hoje insípidos.
Catedral de Salisbury, Inglaterra: a solidez ancorada na terra e a delicadeza da fantasia requintada |
Noutros locais, sublinhavam com um simples friso a curva de uma ogiva, faziam sobressair uma aresta ou salientavam uma viga.
Realçavam igualmente as esculturas, não por meio das mornas gradações que fizeram a lamentável reputação dos modernos “objetos de piedade”, mas com tons francos fazendo corpo com a pedra.
Os seus vestígios, infelizmente demasiado raros, manifestam a mestria com que a Idade Média soube manejar a cor, e a ousadia com que a utilizou.
Nas suas catedrais, mais uma vez, o mundo medieval é um mundo colorido.
Infelizmente, é raro encontrar nelas os quadros e as estátuas pintadas que outrora as ornavam, sendo que nos museus eles estão arrancados do seu enquadramento e colocados em condições totalmente diferentes daquelas para que foram criados.
Vitrais como os de Chartres ou de Saint-Denis, por exemplo, nos permitem imaginar a intensidade e a perfeição das cores medievais, confirmando o que se pode ver em manuscritos de miniaturas, ciosamente guardados (talvez ciosamente demais) nas nossas bibliotecas.
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